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Soy loco por ti Korea

Se você é louco, venha para a Coreia do Sul

Texto de Rodrigo Fluhr

Imagine que depois de mais de trinta horas de voo você se encontra no Apocalipse, numa cidade deserta, congelante, e tudo o que você vê são prédios vazios e, desde a janela, um morro ocre, mostrando suas árvores com galhos secos. Ao andar pela rua vazia, ouvia meus passos mas não conseguia ver mais de um metro a minha frente, pois os cortantes vinte e cinco graus negativos estavam combinados com uma espessa neblina que cheirava à fumaça. Estava eu de fato no fim do mundo? Aos poucos algumas figuras estranhas começaram a tomar forma ao se aproximarem de mim.

Cerca de duas horas mais tarde estávamos sentados confortavelmente, tomando café e papeando. Não, não estávamos no Apocalipse, mas sim na nova cidade administrativa da Coreia do Sul, Sejong City1, no centro do país. Iríamos passar todo o ano de 2018 juntos, num mestrado internacional que conta com alunos de mais de cinquenta países, sendo o país anfitrião o único desenvolvido, com metade dos alunos, e todos os demais ou países pobres ou em desenvolvimento, desde Nicarágua até as Filipinas. Brasil e Afeganistão também estavam presentes, sendo eu o representante do país sul-americano.

Mas o que nos levou a sair do nosso conforto para irmos tão longe? De São Paulo à Coreia são mais de dezoito mil quilômetros, segundo indica uma placa em frente à belíssima prefeitura de Seul, com sua futurista fachada envidraçada e espetaculares jardins suspensos na parte interna. Colegas da Ásia Central, entretanto, como Quirquistão ou Tajiquistão, estavam menos longe de casa, a cerca de quatro mil quilômetros, apenas.

Que país oferece a chance de ouvir um colega do Afeganistão, também mestrando, explicar sua aspiração de se tornar presidente do seu país? Ou um aluno de Eritreia, país no nordeste da África, descrever o roteiro do filme que está escrevendo? Ou um colega da Libéria relatar sua luta para estudar apesar de ter vivenciado guerras em seu país e por isso ter passado um tempo como refugiado em terras estrangeiras? Ou uma jovem aluna do Uzbequistão, que contou ter se casado por pressão familiar e religiosa, e, agora mãe, estar lutando para seguir a carreira acadêmica? O país que oferece essa oportunidade é a Coreia do Sul.

O fato de ter deixado de ser uma nação pobre e entrado na lista dos países desenvolvidos em apenas uma geração elevou a Coreia ao status de país-modelo, uma espécie de celebridade internacional admirada por todo o mundo. Nós, os alunos que vivemos em países em conflito ou em eterno desenvolvimento, viemos aqui para aprender algumas lições de gestão e políticas públicas com quem já conseguiu vencer esses obstáculos. A Coreia, hoje, enfrenta novos desafios, e um deles me foi contado por um coreano quando eu estava viajando em pé num trem de alta velocidade.

Aqui na Coreia é comum os trens estarem sempre lotados em horários de pico, o que leva alguns passageiros a não se importarem em viajar em pé para poder chegar ao destino. Esse foi o meu caso naquele domingo. Um coreano puxou conversa e, após o bate-papo inicial, eu elogiei a Coreia, disse que achei os coreanos pessoas muito decentes, tanto no comportamento quanto na aparência. É verdade, isso me chamou a atenção, pois os coreanos, além de muito educados, estão na grande maioria em boa forma física e se vestem bem, o que passa uma imagem muito positiva. Ao que ouvi o surpreendente comentário do desconhecido do trem:

– É verdade que a Coreia evoluiu muito, nos tornamos um país rico. Mas essa imagem de decência que você vê é superficial e esconde muita corrupção. Longe do olhar público, o que parece decente se revela e mostra o seu lado perverso. Ainda temos um longo caminho a percorrer e não podemos descuidar.

Confesso que fiquei surpreso pela forma como o desconhecido descreveu sua terra natal. Mas certamente esse era um homem bem informado, pois no índice de percepção da corrupção2 a Coreia ocupa a posição 51 num total de 180 países. Considerando que a Coreia é um país desenvolvido e modelo para aqueles que almejam evoluir, eu imaginava que a Coreia ocupasse melhor posição. Nosso Brasil está em 96º lugar, junto com Colômbia, Tailândia, e Zâmbia, país da África Subsaariana.

Mas e quanto à felicidade? O coreano é um povo feliz? Não tratei desse tema com o desconhecido do trem, mas chequei por curiosidade no ranking da felicidade3. A Coreia ocupa a 57ª posição num total de 156 países. O Brasil, embora anos-luz atrás da Coreia em termos de desenvolvimento, vem à frente nesse quesito, ocupando o 28º lugar, seguido de perto pela Argentina, na 29ª colocação. Eu, particularmente, fiquei muito feliz de a Coreia ter me proporcionado essa grande oportunidade de vir tão longe para aprender algumas lições; dentre elas a de que mesmo após o desenvolvimento o povo deve continuar vigilante para que continuem progredindo, a exemplo do que ocorre nesse belo país chamado Coreia do Sul.

  1. https://arbache.com/blog/author/rodrigo-fluhr/
  2. https://www.transparency.org/news/feature/corruption_perceptions_index_2017
  3. http://worldhappiness.report/ed/2018/
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Rodrigo Fluhr

Servidor Público Federal. Especialista em Projetos - MBA FGV.
Mestrando em Gestão Pública pela KDI School of Public Policy and Management - República da Coreia

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