Empreendedorismo e Inovação

Holocracia ou Morte?

O título chamou tua atenção? Que bom! Mas, confesso, não é reflexo da realidade. Ninguém morre se não adotar a última moda em gestão organizacional. Mas existem benefícios potenciais para empresas que se arriscam, bastante, em navegar por novas rotas, descobrindo novas vantagens competitivas. O principal risco? Morte da empresa. Não por não ter transacionado para um modelo holocrático, mas por ter tentado e fracassado estrondosamente! Quase sempre não há uma segunda chance.

Foi exatamente optar pela transição que uma empresa norte americana, a Zappos – que é a exaustiva referência quando se trata do tema, realizou. Mas esta transição entre um modelo de gestão tradicional (hierárquico) para um inovador e descentralizado se deu “na porrada”. Foi um verdadeiro e chulo “dá-ou-desce” – e muitos desceram, pois o CEO fez com que 14% do staff deixasse a empresa. Mas, para os que resolveram “dar a cara a tapa” (sim, é este o sentido do termo anterior, seus inocentes), até que deu certo. A empresa continua prosperando e, no inicio de 2009, foi arrematada pelo vultoso valor de 1,2 bilhões de dólares. Foi um processo longo e nada fácil, mesmo “apoiado pela diretoria” (pode ser mais hierárquico que isso?). A história da empresa é cheia de curvas e derrapagens, mas extremamente interessante. Um dos pontos importantes é que sua cultura organizacional foi inteiramente desenvolvida, sem “heranças anteriores”, e com isso se permitiu moldar um espírito empreendedor – fator crítico de sucesso para continuar evoluindo.


Créditos: Dilbert© por Scott Adams.

Já faz algum tempo que está na moda dizer que a HOLOCRACIA (vem do termo “holon”, que define uma entidade ao mesmo tempo independente e definida em si mesmo, e associada à outra mais ampla) vai “acabar” com a hierarquia. Eu sou velho o suficiente para lembrar quando o “downsizing” era a melhor solução para “todos” os problemas da empresa. Nem preciso comentar o quanto este modismo custou, no longo prazo, em perda de conhecimento e capacitação nas organizações que abraçam novas tendências de maneira agressiva, sem planejamento ou uma boa dose de realismo (e autocrítica). Com a holocracia, se vislumbra a criação de “mundos” dentro de “universos” maiores. Mas, não se entende bem como estas realidades coexistem, e quais são as forças gravitacionais que as mantém unidas (para não cair no caos completo!).

Empresas não são siladas (leia-se “isoladas”), mas pertencem a um ecossistema de gestão e logística integrado com outras empresas e o mercado em que atuam. Até aqui, nada de novo, e até meio óbvio. Mas o óbvio não impede que a liderança de pequenas e médias empresas decida “impor” autocraticamente novos modelos de gestão, e não importa se encaixa adequadamente. É preciso entender que há uma dose de hierarquias contidas no modelo holocrático – ele só não é piramidal. Há, por exemplo, forte hierarquia entre os “círculos” de gestão, sendo que os menores respondem para os maiores, e estes para outros maiores, até o nível organizacional pleno. Ao contrário, metas são definidas “do maior para o menor”, em um modelo claramente (mas implícito) hierárquico (como deve, inclusive, ser). E não há guias explícitas sobre feedback entre grupos/times/círculos, ou mesmo entre a empresa e seu consumidor.

Cada círculo precisa ser gerenciado aberta e democraticamente. Mas, como sabemos, democracia é em si um modelo teórico. Mas a realidade é que, em cada círculo, pequenas estruturas hierárquicas existem, mesmo que no antigo modelo “mentor-mentorado” (no modelo “double-link” proposto na teoria holocrática).

Exemplo de um modelo “híbrido” muito mais comum e presente em transições – créditos: http://blog.kudoos.com.br

Voltando ao exemplo da Zappos: comprada pela Amazon por meio de aquisição de ações na bolsa, a controladora (sabiamente) decidiu não interferir no modelo de gestão (leia a carta do CEO da ZAPPOS). Ao mesmo tempo em que, internamente, a empresa mantem uma gestão (quase?) 100% holocrática, deve ainda atender aos requerimentos de sua controladora, no que a Amazon não deixa por menos – afinal, Jeff Bezos não é conhecido por deixar cair à peteca quando o assunto é cumprir metas. A rigidez com que os processos são estabelecidos na holocracia pode até mesmo ser mais dura do que em um sistema hierárquico.

É sempre muito atraente a ideia de depender e responder menos ao “chefe”. Mas isso é, em realidade, uma ilusão – se não respondemos “a alguém diretamente”, ainda sim temos responsabilidades e “respondemos por algo”. No modelo holocrático de sucesso, há um forte sistema de co-dependência entre os “times independentes” (paradoxal?!) e, para fazer esta liberdade vigiada gerar resultados, o grau de maturidade deve ser substancial. Como as “posições” são fluidas, profissionais devem saber transitar entre elas e entre times de trabalho, sejam eles equipes de projeto, áreas comerciais, backoffice, etc. – e com a devida competência para tal (tanto técnica como de gestão). O trabalho existe de qualquer maneira, mas com certeza é necessário uma forte “atitude de dono” quando se assume uma responsabilidade, pois os resultados são cobrados e rapidamente. Não é possível “passar a batata quente” para outra área.

Se você é um profissional conceituado e capaz em sua área de especialidade, e ficou atraído por uma oferta de trabalho em uma empresa que se autodenomina “holocrática” (ainda mais no Brasil), precisa refletir:

-“Assumindo que é uma organização estável e bem estabelecida (!), será que
eu realmente consigo trabalhar neste tipo de ambiente?”.

Não há respostas certas ou erradas, e sim uma introspecção que orienta qual é o melhor modelo para cada um. Faça sua escolha – se “dará a cara a tapa” e “arrisca dar certo”, ou se “desce do cavalo” e fica em “mares muito dantes navegados”.

Obviamente, este artigo é apenas um “comentário” sobre o tema, que é muito amplo. Quer saber mais sobre holocracia? Leia o manifesto Constituição Holocrática, (Robertson e Thomison).

Mathias Carvalho

Mathias Carvalho

Especialista em mídia digital, desde 1997 trabalhando com planejamento estratégico e gerenciamento de projetos digitais. Professor no MBA em Ger. de Projetos FGV. Doutorando na Rennes SB/FRA, focado em jogos sérios. Mestrado em Marketing Internacional pela UNLP/ARG; MBA em Gerenciamento de Projetos e CEAG pela FGV. Certificados PMP, PRINCE2 e SFC.

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