Empreendedorismo e Inovação Gestão de Projetos

Gestão de Projetos Aplicada Ao Cinema: Desafios e Oportunidades

Por Carla Dórea Bartz

A Agência Nacional de Cinema (ANCINE) divulgou na quinta-feira, 16, um relatório com os resultados consolidados de bilheteria e produção do mercado cinematográfico brasileiro no ano de 2013.

Segundo a agência:  “Os dados confirmam o ano passado como um dos melhores para o cinema brasileiro nas duas últimas décadas. Foram 127 longas-metragens nacionais lançados em circuito comercial – recorde histórico para o cinema nacional –, com 27,8 milhões de espectadores, e gerando renda de R$ 296 milhões. A participação de público dos filmes nacionais em 2013 foi de 18,6% – 10 filmes brasileiros ultrapassaram a marca de um milhão de bilhetes vendidos, e 24 tiveram mais de 100 mil espectadores (em 2012, apenas 17 obras ultrapassaram esta marca). Ao todo, o mercado brasileiro de salas de exibição teve, em 2013, 149,5 milhões de ingressos vendidos e renda de mais de R$ 1,7 bilhão, apresentando crescimento contínuo nos últimos cinco anos” (fonte: www.ancine.gov.br/noticias).

O trabalho da ANCINE é fomentar e regular o mercado cinematográfica brasileiro, nas áreas de produção, distribuição e exibição. O objetivo é desenvolver, nas próprias palavras da agência, “uma indústria forte, competitiva e autossustentada”.  Na nossa avaliação, os dados acima apresentam dois pontos positivos.

O primeiro é o relatório em si, ou seja, o fato da ANCINE prestar contas e publicar resultados financeiros de um setor predominantemente financiado por mecanismos de renúncia fiscal. Isso revela uma abordagem madura em relação ao cinema brasileiro que, durante todo o século XX, alternou ciclos de euforia e de estagnação, sem jamais se afirmar.

O segundo é apontar que está dando certo. O mercado cinematográfico brasileiro está crescendo e o produto nacional está ocupando, ainda que de maneira tímida e lenta, as salas de cinema, majoritariamente preenchidas com o filme estrangeiro, (em especial, o norte-americano), como é possível ver pelos dados a seguir:

Tabela 1 – Dados Acumulados de Público e Renda dos Títulos Exibidos – 2013

Títulos Público Renda (R$) Participação de Público Participação de Renda PMI (R$) Títulos Exibidos Títulos Lançados
Brasileiros 27.760.849 296.733.096,64 18,6% 16,9% 10,69 165 127
Estrangeiros 121.751.235 1.456.427.196,88 81,4% 83,1% 11,96 409 270
Total 149.512.084 1.753.160.293,52 100,0% 100,0% 11,73 574 397

Fonte: ANCINE

Contudo, o tom otimista da ANCINE de certa forma esconde problemas estruturais que precisam ser superados. É possível dizer que se as leis de incentivo deixarem de existir, o cinema brasileiro voltará novamente à estagnação, como ocorreu quando o governo Collor extinguiu a Embrafilme no início da década de 1990.

Por que esta ameaça ainda persiste? A resposta a esta pergunta está em parte na maneira como o Estado e a sociedade brasileira, historicamente, consideraram e ainda consideram as atividades culturais dentro do processo de desenvolvimento escolhido para o país. Em geral, são posicionadas em seguindo plano.

Divulgar os resultados econômico-financeiros do mercado de filmes ajuda a corrigir esta distorção, mas não é suficiente para mudar este paradigma. Isto ocorre porque os fatores que contribuem para sua permanente posição secundária são muitos e complexos e espalham-se por toda a cadeia produtiva. Entre eles, destacam-se:

Em primeiro lugar, as atitudes românticas e, muitas vezes, preconceituosas e resistentes de certos setores da produção que ignoram que o cinema faz parte do sistema produtivo e é mídia de massa. Obviamente, um filme não pode ser visto somente como produto (aliás, nenhuma atividade humana deveria ser vista somente sob este aspecto), mas um século de cinema no Brasil parece mostrar que não levar também este fator em consideração é apenas persistir em erro.

Como consequência – e este é o segundo fator – falta maturidade à cadeia produtiva cinematográfica. Apesar da ANCINE solicitar prestação de contas dos recursos públicos utilizados no financiamento de filmes, não há uma avaliação da qualidade do processo de gestão e de produção. O otimismo da ANCINE não mostra que, dos 127 filmes lançados no ano passado, cerca de 70 não conseguiram nem 5.000 ingressos vendidos. Não se trata aqui de duvidar da excelência artística por parte dos cineastas e de suas equipes. Muitos desses filmes são excelentes produções e é uma pena que não tenham conseguido atingir um público maior.

O fato é que não há um levantamento objetivo dos problemas que levaram a esses resultados, que ainda ficam escondidos pelo tom otimista do discurso oficial. Dessa forma, não é possível avaliar a gestão do filme como projeto, ou seja, se o cineasta planejou a obra levando em consideração critérios mínimos para qualquer empreendimento como sua viabilidade, seus riscos e seus stakeholders. A compreensão do ciclo de vida do projeto por parte do produtor é uma necessidade que a ANCINE deveria considerar e estimular pois representa um passo além à divulgação de resultados de bilheteria.

Por fim, um grande problema no atual mercado cinematográfico brasileiro é o reduzido número de salas de cinema que, atualmente, é de 2.679, segundo o último levantamento da agência. Só a título de comparação, nos Estados Unidos, são cerca de 40 mil.

Como consequências temos um gargalo estreito de exibição e a ausência de um público habituado a buscar o cinema como forma lazer. A sala de cinema tornou-se no Brasil um espaço caro e inacessível para muitos filmes. Igualmente para o público. Diante da demanda ser mais alta que a oferta, o distribuidor e o exibidor escolhem as produções de menor risco que são, claro, os blockbusters americanos, que chegam prontos e acabados, incluindo aí todo o trabalho de promoção.

O Brasil precisa que seu cinema se torne protagonista ao menos em seu próprio território. Precisa de artistas que produzam e sobrevivam desta atividade e de pessoas que tenham acesso e consumam essas produções. A atividade artística é geradora de empregos, de renda e de riquezas tangíveis e intangíveis.

Porém, esta economia não depende somente da criatividade do autor, mas também de um sistema de distribuição amplo e de formas de gestão mais condizentes com suas necessidades. O cineasta não deveria se conformar em apenas fazer o filme, prestar contas e pronto. Não deveria se conformar em ser somente um coadjuvante. As boas práticas em gestão de projetos são alternativas que podem levar a melhores resultados.

Carla Dórea Bartz é jornalista e relações públicas. É graduada em jornalismo pela PUC-SP e em Letras pela USP, possui mestrado em Cinema pela USP e MBA em Gestão de Projetos pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Atuou em empresas como Caterpillar, Conexão Médica e Rede Globo. É sócia-diretora da empresa Bartz Texto e Audiovisual.

Fonte:

BARTZ, C. D. Planejamento de um projeto cinematográfico de curta-metragem utilizando a metodologia do PMBOK. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso MBA em Gerenciamento de Projetos, do Programa FGV Management da Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, 2013.

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3 Comentários

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  • Oi Prof. Ana Paula,

    Gostei muito do artigo publicado acima, e gostaria de ler o TCC Planejamento de um projeto cinematográfico de curta-metragem utilizando a metodologia do PMBOK.
    Você poderia me enviar uma cópia?

    P.S. você lembra do meu TCC?
    “DESENVOLVIMENTO DE UM PLANO DE GERENCIAMENTO DE PROJETOS PARA PRODUÇÃO DE UM FILME DE CURTA-METRAGEM” – Agosto – 2011
    Fico feliz de ver que a ideia está evoluindo.

    Abraços,

    Ana Helena

  • Estava procurando gerenciamento de projetos ligado ao cinema e encontrei este artigo. Maravilha. adorei. Também tenho interesse em poder ler o tcc, se possível