Empreendedorismo e Inovação Mercado

Três Anomalias e Um Problema

Por Jorge Arbache

É consenso que o Brasil está metido numa armadilha de baixo crescimento. A taxa média de crescimento do PIB per capita de 1980 em diante foi de meros 1,2%. A teoria da armadilha da renda média ajuda a explicar a nossa estagnação. Países em desenvolvimento podem experimentar significativa elevação da renda a partir do emprego de políticas econômicas que favoreçam o salto da produtividade, como a realocação de recursos produtivos da agricultura atrasada para a indústria. Mas, segundo a teoria, para seguir crescendo e atingir níveis mais elevados de renda são necessárias políticas complementares de estímulo à produtividade e à agregação de valor. Trata-se de políticas que estimulem investimentos em capital humano, físico, inovação e infraestrutura, melhoria dos serviços públicos, redução da burocracia e dos impostos incidentes sobre a produção, integração econômica internacional, estímulo ao capital de risco, modernização das instituições que encorajam o livre mercado e políticas fiscais responsáveis.

A teoria é útil, mas é insuficiente para se entender o caso do Brasil devido a ao menos três anomalias. Como é do conhecimento de todos, o Brasil está passando por intensa transformação demográfica. A taxa de fecundidade, número médio de filhos por mulher em idade fértil, passou de quatro para dois filhos em menos de 25 anos – países desenvolvidos precisaram de pelo menos o dobro desse tempo. A taxa de fecundidade, que atualmente é de 1,84, será de 1,69 na próxima década, uma das menores do mundo. O aumento da expectativa de vida e a queda da fecundidade estão transformando o perfil da população, que envelhece rapidamente. Mas, o que mais caracteriza a nossa transição é o descompasso do seu ritmo com o da taxa de crescimento econômico e com o nível ainda relativamente baixo da renda per capita do país.

Outro fato bastante conhecido é que o setor de serviços já comanda 70% do PIB, padrão de país rico. Mas o que mais distingue o Brasil é a relativamente modesta integração dos serviços com outros setores para gerar riquezas, apesar do seu enorme tamanho. Evidências internacionais indicam que alta participação do setor de serviços na economia está associada à alta disponibilidade de serviços produtivos como os de logística e terceirização, mas, cada vez mais, de P&D, design, marketing, TI, suporte pós-venda, dentre outros que diferenciam produtos e lhes agregam valor.

O Brasil precisa de um plano de voo, senso de prioridade e, acima de tudo, de mais ambição e determinação

Um terceiro fato que é igualmente conhecido é que as commodities são a marca registrada da nossa contribuição ao comércio internacional. Mas nem sempre foi assim. Os bens manufaturados seguiram longa jornada de aumento de participação nas exportações até que, em 2000, chegaram a responder por 60% do total. Dali em diante, entraram em declínio e, em 2013, já haviam caído para 38%, nível que tínhamos na década de 1970. Mas o que diferencia o caso do Brasil é o retorno do protagonismo das commodities na pauta das exportações depois de termos experimentado a industrialização da mesma.

Há pelo menos duas características comuns entre esses fatos. O primeiro é que eles são anomalias, seja porque emergiram prematuramente para o nosso padrão de renda per capita, seja porque nos distinguem da experiência internacional. E, segundo, eles estão associados às perspectivas do crescimento.

Considere a transformação demográfica. A quantidade de gente com idade para trabalhar continua a crescer, mas a um ritmo cada vez mais lento, até que estagnará na próxima década. Já a proporção da população disposta a trabalhar está se estabilizando e, eventualmente, começará a diminuir. Essas tendências constrangem o crescimento econômico porque geram escassez de trabalhadores e porque o envelhecimento da população reduz os recursos, privados e públicos, disponíveis para investimentos. Isto ocorre em razão dos idosos gastarem muito e pouparem pouco e em razão do substancial aumento da participação das despesas com saúde pública e previdência social no orçamento do Estado.

Já a alta participação do setor de serviços na economia decorre, sobretudo, da expansão dos serviços de consumo final e da elevada inflação de preços do setor. A inflação resulta da baixa produtividade média dos empreendimentos de serviços e da concentração de mercado – vide os preços dos serviços de intermediação financeira. Como o setor de serviços é grande, caro e pouco produtivo, então temos uma relação quase tautológica entre serviços e baixo crescimento.

Por fim, o retorno do protagonismo das commodities nas exportações resulta do aumento dos preços internacionais e da perda de dinamismo da indústria. Embora a produtividade no setor de commodities seja elevada, essas atividades empregam muito pouca gente, recolhem relativamente poucos impostos e demandam relativamente muitos investimentos em bens públicos, como portos, ferrovias, água e energia, com implicações para o crescimento sustentado. Uma das mais estabelecidas evidências em economia é que países mais dependentes de commodities crescem menos que países com economias mais diversificadas.

Para se mitigar os efeitos dessas três anomalias e seguir crescendo, será preciso, além da agenda da teoria da armadilha da renda média, modernizar e integrar o setor de serviços com outros setores, prolongar a vida produtiva das pessoas, atrair mais gente para o mercado de trabalho, inclusive idosos que ainda queiram contribuir para gerar riquezas, diversificar a economia e promover a densidade industrial através, sobretudo, da industrialização das nossas vantagens comparativas.

O Brasil tem todas as condições para se desatar da armadilha do baixo crescimento e atingir padrões muito mais elevados de renda. Mas, para isso, será preciso um plano de voo, senso de prioridade e, acima de tudo, de mais ambição e determinação.

Jorge Arbache é professor de economia da UnB e assessor econômico da presidência do BNDES. As opiniões são do autor e não necessariamente representam as do BNDES e de sua diretoria. jarbache@gmail.com

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