Empreendedorismo e Inovação Gestão de Projetos

Lidando Com o Óbvio na Gestão de Projetos

Um dos conceitos mais interessantes da teoria da gestão de projetos é a compreensão do que se define como “óbvio’. Figurinha tarimbada nas aulas de MBA e simpósios neste campo de estudos, sempre se vê aquela frase bastante divertida, que resume muito bem como as pessoas não se entendem mesmo:

Eu sei que você acredita ter entendido aquilo que você acha que eu disse, mas não tenho certeza de que você perceba que aquilo que ouviu não é aquilo que eu quis dizer.(autor anônimo)

Eis outro conhecido modelo que também transcreve, pictoricamente, o mesmo conceito – ninguém se entende realmente, nem fazendo um desenho.

Não ficou muito bem claro? Podemos até dizer, sem medo de errar, que – com estas informações, este conceito “ficou óbvio”.

Qualquer gestor, fornecedor, ou empresário que em algum ponto de sua carreira teve que lidar com outros profissionais, sabe que as consequências de uma má interpretação sobre um trabalho a realizar, podem ser desastrosas. Para estes, isso já é um fato mais do que óbvio. O que não é tão óbvio é o fato de que, mesmo sendo um tema de conhecimento geral, tais desencontros continuam ocorrendo sucessiva e frequentemente.

Voltando aos conceitos teóricos, podemos obter uma definição padronizada do termo em dicionários. O meu, um Michaelis, apresenta desta forma:

É na segunda definição que “mora o perigo”! Gerar uma mensagem clara, intuitiva, manifesta (disponível) é a parte fácil do trabalho. Garantir a sua correta compreensão é o proverbial “pulo do gato”. Fico muito mais preocupado com conteúdos os quais “todos aparentam compreender perfeita e completamente”, pelo simples fato desta ocorrência constituir uma perfeita e completa impossibilidade. Pessoalmente, prefiro receber uma avalanche de pedidos de explicações complementares, ao silêncio sepulcral o qual, muitas vezes, é só o que recebo como resposta.

Por ser o homem uma criatura cartesiana, vamos considerar:

a) Mensagens são enviadas por pessoas.
b) Estas são denominadas (obviamente) emissores.
c) Segundo sua própria natureza, pessoas são falíveis.
d) Pessoas dependem de sua própria interpretação da realidade, de um código formal e informal com o qual se expressam, além da capacidade de codificar um conteúdo coerente destinado a um dado receptor.
e) As mensagens são recebidas pelos receptores, que também são pessoas – falíveis.
f) ERGO, por dependerem de seus próprios mecanismos de interpretação da mensagem recebida, formais e informais, esta fica sujeita ao contexto no qual foi trabalhada.

A mensagem enviada provavelmente não será a mesma mensagem recebida.

Não entraremos, agora, no mérito da influência exercida pelos canais de comunicação utilizados, os quais podem filtrar, distorcer ou alterar o sentido implícito do objeto da comunicação, mas devemos lembrar que estes também existem. Óbvio.

Na verdade, poderíamos escrever livros sobre este tema, e obviamente não é este o meu objetivo. Mas, em projetos, confiar cegamente no óbvio é, sem sombra de dúvida, o prenúncio para um desastre.

Overdose de superficialidades – stakeholders e a comunicação em projetos.

O ritmo no qual se encontra a nossa sociedade está cada vez mais dinâmico, estamos mergulhados em um constante e fortíssimo “tsunami de comunicação instantânea”. Com a internet, estamos conectados o tempo todo, a tudo (ou quase) e a todos. A comunicação está tão presente em nossa rotina, que já existem pessoas completamente dependentes de dispositivos móveis de comunicação, como os celulares e smartphones, e que não podem passar uma hora sequer sem checar seu status no Facebook ou Twitter – caso contrário, entrariam em grave depressão. Não é uma surpresa, também já existe toda uma teoria e tratamentos psicanalíticos para lidar com este “Mal du siècle”. Me refiro ao XXIº , obviamente.

A verdade é que dependemos cada vez mais de códigos generalizados para sermos capazes de absorver tanta informação, a qual tende a ser produzida sem o devido cuidado e aprofundamento, estes necessários para diversos assuntos. Isso ocorre em nossa rotina particular, mas não seria inadequado supor que transpomos estes “vícios” da esfera pessoal para o ambiente profissional. Quem tem tempo de realmente validar os pormenores das informações recebidas, procurando reduzir as inevitáveis distorções? Quantas vezes não recorremos às interpretações padronizadas do que nos parece ser óbvio, e seguimos adiante? Claro que não é producente se ater sempre a cada vírgula, e nos assuntos os quais temos maior domínio, tendemos a assumir premissas e realizar diagnósticos mais rapidamente e sem a necessidade de tanto esmero.

No caso da gestão de projetos propriamente dita, considerando que equipes estão cada vez mais pluralistas – formadas por especialistas que são, ao mesmo tempo, generalistas em outras áreas (se não por formação, por convivência ou afinidade), o que resulta é que as mensagens mais corriqueiras precisam ser estruturadas, cada vez mais, de uma forma “genérica”, na qual se procura utilizar um código que seja comum a todos os interlocutores. É o “esperanto” do mundo profissional. E é uma faca de dois gumes, afiadíssima.

No contexto da internet como canal de comunicação, uma equipe de projetos pode, com relativa frequência, estar distanciada não apenas pela formação profissional de seus membros, mas pela localização geográfica, cultura e língua materna. Não raro, existem projetos dos quais participam equipes multidisciplinares e também multiculturais. Cada vez mais, este cenário ocorre também em empresas de médio e pequeno porte, na medida em que a aquisição destes serviços virtuais transcende as barreiras de custos e acessibilidade.

Ao tomar como exemplo um dado Termo de Abertura de Projeto, cujos elementos podem incluir o descritivo de um escopo, os objetivos do projeto, o contexto de negócios, as premissas e restrições, análises de risco, entre outros elementos, é (ou deveria ser) detalhado por uma razão simples: a necessidade de se minimizar o ruído existente na interpretação das informações. Ainda assim, membros de uma equipe com perfis diferentes farão uma leitura distinta de um mesmo grupo de documentos, principalmente se for elaborado com linguagem mais particular a um perfil do que ao outro, sem que haja um cuidado específico para se evitar/mitigar esta eventualidade.

Por exemplo, um profissional com perfil financeiro não lerá um texto da mesma forma que outro com perfil de programador, ou de profissional do marketing, de engenheiro, etc. ainda que a codificação empregada da linguagem seja relativamente “universal”. Não irão priorizar as mesmas informações, nem captar o sentido no mesmo contexto. Um estará mais preocupado com quanto algo vai custar para o caixa da empresa, outro em como a empresa poderá se estruturar na área de produção para atender uma dada demanda, um terceiro com a tecnologia a ser empregada e na estratégia aplicada para gerar o volume de vendas ideal, e por aí vai. Se, dentro de uma equipe, pode haver confusão, o que dizer entre os “stakeholders”?

Uma simples análise de retorno sobre o investimento dirá que existe uma significativa probabilidade de risco em se confiar no óbvio o qual, ao longo do tempo, tende a crescer e pode resultar em problemas de dimensões inesperadas, principalmente no que concerne aos objetivos do projeto (e o decorrente alinhamento estratégico do projeto com os objetivos de negócios), e as expectativas dos “stakeholders” e patrocinadores. O que começa com uma mera interpretação equivocada, pode se tornar evidente apenas durante a execução, ou pior, perto da entrega final do projeto. O bordão “Inês é morta” é aqui amplamente adequado, por razões óbvias.

Mesmo que se percebam quais são as inconsistências causadas, haverá sempre certo grau de retrabalho, replanejamento, ou seja, um impacto real. Com sorte, será absorvido em tempo, mas consiste em algum esforço não previsto. Isto nunca é um bom presságio.

Projetos na internet possuem, geralmente, um “escopo aberto”, onde há um maior grau de incerteza. Neste tipo de ambiente, participantes assumem certas premissas individuais que tornam o “óbvio” um elemento bastante arriscado. Um exemplo recorrente disso é quando uma organização – no papel de cliente, ao contratar uma empresa desenvolvedora para realizar um projeto de, digamos, uma extranet, hotsite, portal, etc., já deveria alocar os recursos necessários para não apenas fornecer e testar os conteúdos previstos para o desenvolvimento desta estrutura (ao mesmo tempo, validando os entregáveis do projeto), mas mantê-la após a sua conclusão, de modo que continue a gerar valor e evoluir ao longo do seu uso. Para a empresa desenvolvedora, a qual não se requisitou serviços de geração de conteúdo, está óbvio que isso lhe será fornecido. É neste contexto que entra outro bordão que ninguém gosta de comentar, mas todos têm em mente: “são as famosas últimas palavras”. Não é evidente, até que se note que desenvolver conteúdo recorrente para a Web, requer uma estrutura interna editorial bastante eficiente, principalmente se o conteúdo incluir material gerado por terceiros externos à organização. Não é óbvio à primeira vista, mas quando a empresa não gera seu conteúdo e permite a interação com o conteúdo gerido por terceiros (como ocorre em mídias sociais), o trabalho de gestão pode se multiplicar exponencialmente, em certos casos.

O desenvolvimento de projetos de qualquer natureza depende de um fluxo eficaz de informação entre seus membros, os patrocinadores e todos aqueles que, direta ou indiretamente, afetam e são afetados pelo mesmo. Se baseiam na utilização de sistemas, chamados de PMIS , que geralmente permitem que os participantes obtenham informações e contribuam a qualquer momento, e de qualquer local (novamente, uma evolução da tecnologia da informação), com acesso a uma variada seleção de canais, fazendo com que a informação flua com grande potencial. O grande desafio está em se administrar este volume, de modo que seja palatável, onde todos possam digerir informações de modo produtivo, mantendo o foco sobre o que é relevante e realmente contribui com o trabalho. Isso parece, novamente, algo óbvio, mas se todos não estiverem “em sintonia” com o sistema, e contribuindo de acordo com o especificado na matriz de responsabilidades do projeto, não existe ferramenta que viabilize os resultados desejados.

Não é preciso nem comentar (na verdade, é preciso sim!) que a capacitação de uso de tais sistemas, alguns relativamente complexos, deve ser garantida entre todos os seus usuários, de maneira relativamente homogenia. Caso contrário, alguns poucos “power-users” ficarão isolados dentre os demais, e a coisa tende a emperrar. Basta refletir sobre um notório exemplo: o programa MS Project, este velho conhecido da maioria dos gerentes de projetos.

É um “software” que adoramos odiar e que, assim como outros componentes do pacote Microsoft Office, está tão disseminado no mercado que uma esmagadora maioria dos profissionais já teve algum contato com ele. No entanto, ao se inquirir sobre se há uma real proficiência no seu uso, relativa á necessidade guiada por resultados, muitos profissionais atestarão que sim. E realmente acreditam nisso. Um fato pouco conhecido é que, geralmente, usam a versões “stand alone ” do programa, não permitindo que uma equipe trabalhe em sincronia sobre uma mesma plataforma. A versão de rede deste sistema, disponível inicialmente apenas para grandes empresas – por limitações de custo, constitui uma parcela menos representativa do mercado total de usuários.

Hoje em dia, o MS Project possui sérios concorrentes, que já nasceram “na nuvem” e oferecem uma gama bastante abrangente de recursos para organizações menores. Uma lista bastante extensa de opções gratuitas está em: http://en.wikipedia.org/wiki/Category:Free_project_management_software. Isso permite amplo acesso a um sistema de gestão de projetos sem que a organização invista antes de se certificar de que escolheu a ferramenta mais adequada para o grau de proficiência de seus profissionais e para o grau de complexidade exigida na gestão de seus projetos.

Seja qual for a ferramenta utilizada, o ponto-chave é: todos devem utilizar o recurso de maneira consensual, em um nível comum de proficiência que permita uma circulação otimizada de informações.

A (in)eficácia inerente da comunicação dentro dos projetos

Cada gerente possui seus próprios métodos de validar informações recebidas. Estes podem ou não ocultar algum risco de ocorrer uma interpretação inadequada entre influenciadores e influenciados, de um dado projeto. Alguns são corretivos, ou seja, são realinhados durante a execução de uma tarefa, ou identificados após a entrega da mesma, como parte do controle de qualidade. Tais informações mal interpretadas geralmente são as “causas” de erros e problemas, os quais muitas vezes não ficaram evidentes a tempo (eis outro bordão mortal: “más notícias sempre ocorrem, mas são menos danosas se forem recebidas mais cedo e com regularidade”). A gestão da comunicação é um fator decisivo nestas ocasiões. Para se evitar estas ocorrências, listei algumas dicas que recebi de vários gerentes de projetos e profissionais de diversos outros campos:

– enunciar a mensagem com clareza e objetividade, sempre por escrito
– utilizar termos, expressões e definições universalmente compreendidas pela equipe (utilizar um glossário, caso seja necessário, para termos e definições técnicas)
– esclarecer o contexto no qual se encaixa a mensagem, com referências anteriores (incluir histórico de comunicação, caso seja pertinente)
– preparar a mensagem levando em conta os diferentes contextos nos quais se assume que possa ser recebida
– filtrar, quando necessário, uma mesma mensagem em versões adaptadas para diferentes perfis de receptores, melhorando as chances de ocorrer uma correta compreensão
– fornecer referências relevantes para as atividades, documentos e processos de gestão
– obter um retorno (“feedback”) regular sobre cada mensagem enviada, validando a compreensão dos receptores

Em se tratando de sistemas na Internet, uma das melhores maneiras de compor uma fonte eficiente de mensagens entre os membros de uma equipe, além dos seus “stakeholders”, é com o mesmo formato com o qual a grande maioria dos blogs operam. Todos os tópicos publicados possuem uma distribuição lógica no tempo, permitem o “feedback” imediato e associam cada um a uma determinada categoria de busca no sistema (por meio de palavras-chave, por exemplo) e a documentos e outras informações correlatas (algo muito comum quando um determinado artigo é correlacionado com outros).

Emails são, hoje em dia, uma tradicional (e antiga) ferramenta de comunicação empresarial e pessoal, sendo hoje em dia apenas mais uma forma de se comunicar, possuindo falhas logísticas que podem comprometer o bom andamento da comunicação. Afora a crescente massa de “spams” nas caixas postais, emails podem ser “perdidos” no buraco negro dos servidores, sua integridade pode ser comprometida (especialmente ao se considerar a tendência de se utilizar contas em redes públicas ou híbridas , disponíveis “na nuvem”, como forma de redução de custos nas empresas), entre outras limitações. Algo que me parece natural, com o advento do conceito BYOC (“bring your own computer”). Se isso já é uma realidade, por que não uma versão “bring your own cloud” (traga sua própria rede “na nuvem”)? Um não existe sem o outro, principalmente no caso de dispositivos móveis. Quem é um pouco mais velho, se lembrará daquela garotada que ficava “de papo” no Messenger da Microsoft, em pleno local de trabalho, e levando broncas do chefe. É parte do atual debate sobre “abrir ou restringir o acesso das redes sociais no trabalho”, já que mensagens instantâneas fazem parte deste novo canal.

Ademais, emails já estão bastante ultrapassados em volume de mensagens enviadas, perdendo para mensagens instantâneas e interações no estilo Twitter, além dos diversos canais de comunicação integrados aos sites e aplicativos de mídia social. O que se percebe, cada vez mais, é uma fragmentação dos canais de comunicação tradicionais na Web, impulsionada pelo avanço da tecnologia digital. Não é improvável que hábitos de comunicação amplamente integrados em nossa rotina pessoal sejam, cada vez mais, migrados para o ambiente profissional. Um risco permanente está na informalidade com que esta transição possa ocorrer, já que uma parcela significativa do conteúdo ligado ao trabalho esteja sendo veiculado por meio de canais ainda não homologados. O uso crescente de serviços de SMS no ambiente de trabalho , tanto interno como integrado à cadeia de valor, em detrimento de ligações de voz, é um forte indicador. Isso sem levarmos em conta novos fatores que influenciam as comunicações, como a geo-localização . Não há nada de negativo com a fragmentação destes canais – de qualquer modo, é algo aparentemente inevitável – o problema está na forma como ela ocorre, e na resultante falta do controle desta comunicação por parte de uma organização. O que se observa é uma adaptação do mercado, no modelo específico de comunicações no ambiente digital, do conteúdo sobre a forma. Cada canal possui características próprias as quais, quando adequadamente utilizadas, tornam o conteúdo assimilável com rapidez e competência. A adaptação da maioria das empresas a estes novos modelos será, no mínimo, complicada.

“Matriz da obviedade” em projetos; 3D extreme!

Faz bastante sentido tentar traçar as linhas de comunicação entre diferentes “stakeholders” e tentar descobrir onde o ruído causado pelo óbvio se aplica, no projeto. À primeira vista, seria como uma matriz parecida com a qual se analisa os interesses e influências dos diferentes “stakeholders”, que pode parecer algo simples de se criar e gerenciar. Porém, ao se aprofundar nas “nuances” ou contextos nos quais as mensagens, receptores e emissores se encaixam, este mapeamento pode ficar bem mais complicado. Algo muito parecido com um “cubo mágico” (quem tem mais de 30 anos sabe a que me refiro), visualizo estas relações como um quadriculado de cores misturadas, em cada faceta, e que devemos realinhar para conseguir identificar a essência da mensagem decodificada por cada um.

Com a Internet, isso pode se tornar algo bem mais complexo, no mínimo pelo volume e distâncias (agora um fator bem mais relativo, porém ainda muito relevante, nem que seja pelo fuso horário) entre pessoas, equipes, profissões e grupos culturais distintos. Para ilustrar como culturas diferentes podem influenciar a interpretação, reproduzo abaixo uma conhecida “piada” sobre comunicação:

“ Um publicitário morreu e, como era veterano da área de atendimento e malvado com o pessoal da criação, foi para o inferno. O Diabo, que todos os dias recebe um “print-out” com nome e profissão de todos os admitidos na data anterior, mandou que o publicitário fosse tirado da grelha e levado ao seu escritório. Queria fazer-lhe uma proposta. Se ele aceitasse sua carga de castigos diminuiria e ele teria regalias: ar-condicionado, etc.

— Qual é a proposta?

— Temos que melhorar a imagem do inferno — disse o Diabo. — Falam as piores coisas do inferno. Queremos mudar isso.

— Mas o que é que se pode dizer de bom disto aqui? Nada.

— Por isso é que precisamos de publicidade.

O publicitário topou. Era um desafio. E as regalias eram atraentes. Quis saber algumas coisas que diziam do Inferno e que mais irritavam o Diabo.

— Bem. Dizem que aqui todos os cozinheiros são ingleses, todos os garçons são italianos, todos os motoristas de táxi são franceses e todos os humoristas alemães.

— E é verdade?

— É.

— Hmmm — disse o publicitário. — Uma das técnicas que podemos usar é transformar desvantagem em vantagem. Pegar a coisa pelo outro lado.

Sua cabeça já estava funcionando. Continuou:

— Os cozinheiros ingleses, por exemplo. Podemos dizer que a comida é tão ruim que é o local ideal para emagrecer. Além de tudo, já é uma sauna.

— Bom, bom.

— Garçons italianos. Servem a mesa pessimamente. Mas cantam, conversam, brigam. Isto é, ajudam a distrair a atenção da comida inglesa.

— Ótimo.

— Motoristas franceses. São mal-humorados e grosseiros. Isso desestimula o uso do táxi e promove as caminhadas. É econômico e saudável. Também provoca a indignação generalizada, une a população e combate a apatia.

— Muito bom!

— Uma situação que não seria amenizada pelos humoristas. Os humoristas, como se sabe, não têm qualquer função social. Eles só servem para desmobilizar as pessoas, criar um clima de lassidão e deboche, quando não de perigosa alienação. Isto não acontece com os humoristas alemães, cuja falta de graça só aumenta a revolta geral, mantendo a população ativa e séria. O alívio é dado pelos garçons italianos.

— Perfeito! — exclamou o Diabo. — Já vi que acertei. Quando podemos começar a campanha?

— Espere um pouquinho — disse o publicitário. — Temos que combinar algumas coisas, antes. Por exemplo: a verba.

— Isto já não é comigo — disse o Diabo. — É com o pessoal da área econômica. Você pode tratar com eles. E aproveitar para acertar também o seu contrato. Com isto, o Diabo apertou um botão intercomunicador vermelho que havia sobre a sua mesa e disse:

— Dona Henriqueta, diga para o Silva vir até a minha sala.

— Silva? — estranhou o publicitário.

— Nosso gerente financeiro. Toda a nossa economia é dirigida por brasileiros.

Aí o publicitário suspirou, levantou e disse:

— Me devolve pra grelha…”

Se alguém de outro país contasse esta mesma piada, que foi criada por um brasileiro , mudaria a nacionalidade das personagens?

Caminhos tortuosamente óbvios

Já que esta coluna trata de projetos na Internet, me parece ser evidente a necessidade de se destacar alguns conceitos clássicos, onde o óbvio não está claro para todos os envolvidos, da mesma maneira. Vamos lá:

– clientes que contratam serviços de desenvolvimento de portais, sites e outras estruturas na Web, devem participar da produção do conteúdo, e testar as entregas para validar as mesmas. A não ser que tenham contratado estes serviços específicos.

– agências desenvolvedoras de projetos na Web precisam avaliar tanto os objetivos do projeto como os objetivos do negócio de seus clientes. Afinal, sua prestação de serviços inclui a orientação estratégica de comunicação da organização contratante (ou deveria). A não ser que seja, essencialmente, uma prestadora de serviços muito específicos para o projeto. Mesmo neste caso, deve procurar entender os objetivos do cliente de seu cliente, e não depender apenas das informações que lhe são filtradas.

– um projeto para a Internet não é sempre, apesar da teoria, visto como um evento com começo, meio e fim (pelo menos, um fim evidente). Uma vez entregue, é como um proverbial bebê abandonado na porta da igreja. Para os pais (ir)responsáveis, a história – de certa forma, acaba aí. Para a administração eclesiástica, e para a criança, há sempre um amanhã para se levar em consideração.

– a Web é vasta. Sempre haverá outro site/portal/extranet melhor, mais bonito, mais engajado, mais interessante, mais “cool”, etc. Pode até conter boas ideias, mas não serão necessariamente boas ideias para o cliente. Um projeto na Web deve atender objetivos muito claros e específicos. Incertezas geram insegurança, mesmo após a entrega final. E um site, teoricamente, deve sempre evoluir (ou deveria).

– o melhor site não é aquele sempre cheio de recursos técnicos assombrosos, design ganhador de prêmios, estruturas customizadas sofisticadas e sempre em sintonia com a última moda, mas sim o que entrega mais do que o usuário esperava. E o faz voltar.

Siga em frente

Em termos gerais, a comunicação entre pessoas reflete marcantes diferenças entre emissores e receptores, que são classificadas em subconjuntos umas das outras, e interdependentes. Podem ser de amplo espectro, como as características culturais – aquelas características que marcam aspectos únicos entre os povos, tais como anatômicos, ambientais, linguísticos, etc. Também são, dentro de cada sociedade, uma amálgama de grupos coexistentes: família, relações pessoais, relações profissionais, grupos de afinidade, etc. Finalmente, influenciam também as características pessoais, levando em conta a educação, base moral, percepção, particularidades, influências passadas e idiossincrasias. Considerados este “filtros”, não é de se espantar que a margem para a falha na interpretação de mensagens é claramente grande.

O projetos agregam trabalho. O trabalho é executado por pessoas. E pessoas precisam se comunicar adequadamente para identificar necessidades e objetivos, de modo a planejar e realizar o trabalho proposto. Como projetos dependem essencialmente da boa comunicação entre indivíduos – que são tão diferentes entre si, estas falhas podem causar desde pequenos problemas administráveis, até mesmo causar danos irreparáveis.

Não há como negar. A comunicação é “uma caixinha de surpresas”. E temos que “dar 110% de nós” para conseguir um bom resultado em campo. Afinal, se não validarmos e revalidarmos nossa comunicação, tanto no escopo do projeto quanto nos escopos do cliente e do produto, cairemos rapidamente em armadilhas. Nunca se deve confiar no óbvio para servir de guia nesta jornada.

1 – (Fonte: Dicionário Michaelis Online / UOL)
2 – Esperanto: http://pt.wikipedia.org/wiki/Esperanto
3 – Project Management Information System
4 – Versão de uso individual, sem dispor de recursos de rede em uma intranet/extranet coorporativa
5 – http://revistagestaoenegocios.uol.com.br/gestao-motivacao/34/artigo226887-1.asp
6 – http://www.bbc.co.uk/news/business-12181570
7 – http://empreendedor.com.br/pt-br/artigos/o-uso-do-sms-no-relacionamento-com-clientes
8 – Serviço de localização de dispositivos móveis, geralmente por meio de comunicação por satélite, e integrado aos serviços dos mesmos (ex: GPS; Google Maps)
9 – VERÍSSIMO, Luís Fernando. “A mãe do Freud”. São Paulo: Círculo do Livro, 1985. p. 95-97

Mathias Carvalho

Mathias Carvalho

Especialista em mídia digital, desde 1997 trabalhando com planejamento estratégico e gerenciamento de projetos digitais. Professor no MBA em Ger. de Projetos FGV. Doutorando na Rennes SB/FRA, focado em jogos sérios. Mestrado em Marketing Internacional pela UNLP/ARG; MBA em Gerenciamento de Projetos e CEAG pela FGV. Certificados PMP, PRINCE2 e SFC.

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