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África: Um Olhar Para As Nossas Origens

Em setembro de 2012 fui à Moçambique para iniciar um desenvolvimento de um novo Jogo de Negócios para uma grande mineradora.

Antes de minha viagem, tive que realizar uma série de preparatórios para me proteger de diversas doenças infecciosas que ainda assolam aquele continente.

Tomei vacinas, como a de febre amarela, febre tifoide, entre outras. Entre os diversos preparativos, o que mais me assustou foi a possibilidade de contrair malária.

Esta doença, transmitida por um mosquito, não tem vacina preventiva, portanto a única forma de evitar a doença seria ter uma disciplina obsessiva de cuidados, que vão desde passar repelente continuamente, até fazer profilaxia química, tomando uma dose de um fortíssimo antibiótico que, em caso de contração da doença, evita que a malária chegue ao seu grau mais elevado. A malária é uma doença que, se não cuidada, em apenas alguns dias a infecção pode tomar uma proporção que, em alguns casos, tem como consequência a amputação de pernas e braços. Mas para me assustar mais ainda, os índices informados de se contrair a doença, em pesquisa que realizei em minha pré-viagem, chegam, em alguns lugares de Moçambique, aos absurdos 80%.

Ansioso e preocupado, embarquei para aquela aventura, onde a primeira escala era Johanesburgo, na África do Sul, seguindo posteriormente, em outro vôo, para o norte de Moçambique, em uma cidade chamada Tete.

Chegando ao aeroporto, que era extremamente simples, e mesmo assim com categoria internacional, percebi que a aventura estava apenas começando. No aeroporto, informaram-me que necessitaria de visto para entrar no país, e que o mesmo poderia ser obtido no próprio aeroporto.

Enquanto aguardava para receber o visto, agentes da imigração buscavam se achar, e procediam de forma muito informal, usando pouquíssimos aparatos tecnológicos, chegando a improvisação em alguns momentos. – Ao mesmo tempo, alguns garçons vestindo uniformes surrados sorriam com sinceridade e humildade oferecendo sucos e alguns doces. Um deles se aproximou de mim e me ofereceu. Mesmo com medo do que iria vir aceitei, pois imaginei que seria indelicado não pegar o que estavam me ofertando de maneira tão delicada e gentil.

Ao provar o doce, percebi um sutil aroma de abacaxi em uma delicada massa, envolto com uma fina casca folheada e recoberta por uma camada de açúcar de confeiteiro. Para a minha surpresa, o doce era delicioso.

Nesse momento começou uma mudança muito estranha em mim, pois preparado para encontrar um ambiente hostil, deparei-me com gentileza e simpatia dos garçons e também dos agentes de imigração (mesmos sendo um pouco confusos), e ainda um sabor fantástico de algo que ainda nunca havia provado.

Mas meu senso de autoproteção não me deixou render àquele momento. Logo que saí do aeroporto, vi um estacionamento empoeirado, um calor que ultrapassava facilmente 40˚ e um motorista com a placa da mineradora que, seguindo as ordens recebidas de seu superior, não poderia me levar, pois não havia achado o meu nome em sua lista.

Com a velha e simpática forma brasileira de ser, que aprendemos a usar apenas quando nos é conveniente, o convenci que deveria me levar. Ele aceitou e logo em seguida entrei em um ônibus muito velho, sujo e empoeirado.

Alguns brasileiros me receberam com cortesia e simpatia, que não se acha mais em nosso país, que busca ser uma futura potencia econômica a troco de muito trabalho, foco em resultado e um crescente individualismo.

O trajeto começou e naquele momento busquei me convencer que realmente o evento no aeroporto era apenas uma exceção.

O ônibus balançava em todas as direções pela sua estrutura fadigada e uma estrada de terra esburacada e empoeirada.

A paisagem ao longo do caminho era formada hora por casas paupérrimas e em outros momentos por uma savana maravilhosa.

Chegamos à empresa e vi a grandiosidade do projeto com máquinas e caminhões gigantescos, que dão suporte à prospecção dos canteiros de obras da extração de minerais, tudo em uma escala monumental. A paisagem passou da savana e de casas pobres para um movimento frenético de caminhões imensos, esteiras levando carvão, máquinas, tratores e todo tipo de equipamento para suporte e escavação das minas.

Vi pela janela centenas de trabalhadores, devidamente uniformizados, trocando de turno, após uma jornada de nove horas e meia para alguns e doze para outros. Apesar da densa carga de trabalho, percebi que muitos estavam sorrindo, porém mantive minha postura pragmática de cidadão de uma neo-potência econômica, e comecei a fazer críticas internas aquele país e me perguntando como as pessoas podem viver lá.

Desci do ônibus e fui para a recepção, onde encontrei uma moça esguia e baixa, com um sorriso que não cabia em seu rosto, chamada Odete, e novamente me perguntei, ela está sorrindo por que? Vivendo em um país onde ela e seus familiares podem contrair malária, em que para chegar ao trabalho leva-se uma hora de estrada de terra esburacada e empoeirada, e ainda tem que cumprir nove horas e meia de jornada de trabalho. Como podia?

Perguntei a ela de meus colegas do Brasil, e ela, ao ver a minha mala me perguntou se acabara de chegar de viagem. Ao dizer que sim ela me disse em um ar impositivo, mas com um sorriso simpático no rosto: “Aposto que não almoçou”. Eu disse que não, e ela me ordenou que antes de procurar a minha equipe, eu teria que almoçar.

Disse-me para deixar as malas ao seu lado e ir ao refeitório. Entregou-me, inclusive, seu crachá pessoal para entrar no refeitório. Temeroso pelos meus equipamentos, fui ao refeitório almoçar. Lá encontrei centenas de pessoas almoçando e conversando. Ao pegar a minha bandeja com o almoço, sentei-me ao lado de quatro funcionários que estavam almoçando.. Lá encontrei centenas de pessoas almoçando e conversando. Ao pegar a minha bandeja com meu almoço, me sentei ao lado de 4 funcionários que estavam almoçando.

Com meu senso de curiosidade de pesquisador, puxei conversa com eles para compreender um pouco mais do mundo novo no qual estava imergindo. Ao começar a conversa, todos os quatro param de comer para me dar atenção. Contaram-me que felicidade era estar trabalhando, como podiam comprar coisas que jamais sonharam, e como pensavam no “futuro”. Futuro? Como podia ter futuro naquele país? Nesse momento veio a segunda estranha mudança. Eles pensam em futuro como nós. A jornada de trabalho traz uma série de possibilidades, de sonhos, de desejos que abastecem o imaginário deles com uma nova esperança.

Disseram-me que há pouco tempo atrás, enquanto ainda estavam mergulhados em uma guerra civil que durou 16 anos, o único sonho que tinham era ver seus familiares e amigos vivos e depois a eles mesmos.O que mais me assombrou foi a ordem das preocupações. Como a preocupação foi dita pelos quatro de formas diferentes, porém mantendo a mesma ordem de prioridade, percebi que existia uma preocupação que não visava unicamente a eles mesmos. Ao fazer uma pequena análise comparativa, percebi o que significa a viagem em estradas surradas e uma longa jornada de trabalho, quando a alguns anos atrás, o que se tinha era absolutamente um único desejo de sobreviver? O que significava a malária, que apesar de ser uma doença gravíssima, porém com cura, se em outros momentos eles tinha minas terrestres para se preocupar além de bombas e tiros?

Percebi a minha ignorância, arrogância e vaidade de cidadão de um país que se destaca no cenário internacional. Percebi que estava me portando como os norte americanos nas décadas de 70 e 80, que quando vinham ao Brasil se perguntavam, como podem viver “nisto aqui”?

Um pouco atordoado, saí do refeitório e me reencontrei com a Odete, e ainda poluído de toda a desconfiança, munida do pré-conceito, a primeira coisa que busquei, em meu olhar, foram os meus equipamentos.

A Odete, mesmo reparando a minha preocupação, fingiu que não percebeu e me informou, com sua notória simpatia, o local que deveria me encontrar com a equipe.

Ao final do dia fui ao hotel, que era extremamente simples. Mas diante do cansaço e desgaste da viagem, do trabalho e de todas as questões que perturbavam minha cabeça, procurei me deitar e descansar. Como um bom workaholic, não consegui dormir e fui trabalhar.

Mas o conjunto de cenas, fatos e eventos não saiam de minha cabeça. Os dias seguintes se passaram, e mais e mais surpresas ocorreram.

Comecei a notar que eles trabalhavam com o intuito de buscar uma felicidade, para atender aos seus desejos, que diante dos nossos, chegavam a ser hilários, pois para nós, algumas de suas ambições, nos parecia apenas rotina.

Comecei a comparar com nosso cotidiano e percebi o quanto somos egoístas. Somos obsessivos acumuladores de coisas, de vaidade, de presunção, de sentimentos preconceituosos. Quando mais “evoluímos”, mais nos abastecemos desses sentimentos, que em muitas vezes são ambíguos, pois há pouco tempo não tínhamos tanto e lutávamos dia a dia para sobreviver.

O que estamos nos tornando?

A África é o berço da humanidade.

Os primeiros seres humanos surgiram lá.

No entanto, por diversos fatores alguns países se desenvolveram mais que nossa “terra natal”. Neste “desenvolvimento”, que não sei ao certo se realmente é isto mesmo, começamos a recolonizar a África, incitando vaidades, ambições e desejos distorcidos da realidade nativa daquele povo. Assim surgiram guerras e conflitos que fizeram este continente regredir mais e mais. Muitas tribos, que viviam em um equilíbrio construído pela natureza durante séculos, foram destruídas, assim como seus costumes.

Doenças que antes eram insignificantes se potencializaram, devido à quebra do equilíbrio natural, como a malária, por exemplo, da qual os predadores naturais foram, em alguns lugares, eliminados.

Qual o sentido de tudo isto?

Nós brasileiros, diante de um crescente poder, estamos nos tornando neocolonizadores e com a mesma pré-conceituação de nossos antepassados. Estamos perdendo nossa origem e o nosso DNA. Todos somos africanos, todos somos um mesmo povo, porém nossa arrogância de futuros ricos nos cega para isso.

Não acredito que iremos mudar, mesmo porque, apesar de repensar a vida, retornarei ao Brasil certo que terei uma série de lutas para brigar, na busca contínua de um espaço.

Tenho certeza que em breve, se não fizer outras imersões nesta terra fantástica, voltarei a ser o mesmo temeroso de sempre em ir para o desconhecido. O mesmo preconceituoso de antes e em contínua busca por acumular.

Repensar.

Esta é a verdadeira necessidade do ser humano, pois se não olharmos atentos para os lados e para nós mesmos, certamente seremos atropelados pela ambição de ser cada vez mais e sentir cada vez menos.

Fernando Arbache

Fernando Arbache

Mestre em Engenharia Industrial PUC/Rio. Independent Education Consultant working with MIT Professional Education. Graduado em Engenharia Civil, UFJF. Data and Models in Engineering, Science, and Business/MIT, Cambridge, MA (USA). Challenges of Leadership in Teams/MIT, Cambridge, MA (USA). Data Science: Data to Insights/MIT, Cambridge, MA (USA). AnyLogic Advanced Program of Simulation Modeling/Hampton, NJ (USA). Experiência Acadêmica: Educational Consultant working with MIT. Instructor in Digital Courses at MIT Professional Education in Digital Transformation and Leadership in Innovation. Atuou cimo coordenador da FGV em cursos de Gestão. Atuou como professor FGV, nas cadeiras e Logística, Estatística, Gestão de Riscos e Sistemas de Informação. Professor da HSM Educação, IBMEC e FATEC. Livros escritos: ARBACHE, F. Gestão da Logística, Distribuição e Trade Marketing. São Paulo: Ed. FGV, 2004. ARBACHE, F. Logística Empresarial. Rio de Janeiro: Ed. Petrobras, 2005. ARBACHE, A. P. e ARBACHE, F. Sustentabilidade Empresarial no Brasil: Cenários e Projetos. São José do Rio Preto- SP: Raízes Gráfica e Editora, 2012. Pesquisa: Desenvolvimento de modelos de mapeamento de Competências Comportamentais e Técnicas, por meio de gamificação com uso de Inteligência Artificial, utilizando Deep Learning e Machine Learning (http://www.arbache.com/mobi). Programa de Inovação com 75 cooperativas de diversas áreas de atuação e aproximadamente 500 participantes, com Kick-off no MIT PE (http://www.arbache.com/inovacoop). Desenvolvimento de Inteligências nos dados e métricas - Big data e precisão nas tomadas de decisões na gestão de pessoas. Experiência Profissional: CIO (Chief Innovations Officer) da empresa Arbache Innovations especializada em simulação, inovação com foro em HRTech e EduTech – empresa premiada no programa Conecta (http://conecta.cnt.org.br) como uma das 5 entre 500 startups mais inovadoras da América Latina. Acelerada pela Plug&Play (https://www.plugandplaytechcenter.com) em Sunnyvale, CA – Vale do Silício entre novembro e dezembro de 2018. Desenvolvimento de parceria com o MIT – Massachusetts Institute of Technology para cursos presenciais e digitais – http://www.arbache.com/mitpe, https://professional.mit.edu/programs/digital-plus-programs/who-we-work & https://professional.mit.edu/programs/international-programs/who-we-work

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