Carreira Ética

“Stakeholders Em Projetos E A Web: Muito Cacique Para Pouco Índio”? Parte I

Mesmo para aqueles que não estão acostumados às metodologias e teorias de gestão de projetos, é cabível considerar que grupos específicos possam impactar um determinado trabalho (ou ser impactados pelo mesmo) mais do que outros, ocorrendo, desta forma, diferentes graus de interesses e influências.

Estes grupos são formados por elementos que definimos como “stakeholders”, e coexistem em todos os tipos de projetos, ao mesmo tempo “influenciando e sendo influenciados”. Mas quem são estes elementos que tanta influência exercem sobre o trabalho realizado? Segundo o PMI (Project Management Institute), “stakeholders são pessoas e organizações, tais como clientes, patrocinadores, a organização desenvolvedora e o público em geral os quais estão ativamente envolvidos no projeto, ou cujos interesses podem ser afetados positiva ou negativamente pela execução e/ou finalização do projeto” (trad. Livre).

Parece bem simples e direto, o procedimento padrão de gestão envolve a identificação de cada um destes grupos, entidades ou indivíduos, e a cuidadosa avaliação de seu grau de influência/interesse no projeto em si, estabelecendo então ações preventivas para que  resultados indesejados não ocorram no projeto, além de ações que promovam vantagens e benefícios adicionais, reforçando as chances de se obter sucesso (análise de riscos).

No caso de projetos realizados para a internet, isso pode não ser tão simples.

Na internet, a participação de “interessados” em um tópico, assunto ou ocorrência (seja a respeito de uma notícia, um evento, um movimento social, um produto ou serviço, etc.) é essencialmente democrática. Qualquer um pode se informar sobre determinado tema e participar de alguma forma, nem que seja uma voz isolada em um mar de comentários, ou até mesmo em uma ação que suscite uma repercussão genuína na rede, como foi o exemplo da reclamação de um consumidor insatisfeito com a Brastemp, que acabou gerando um vídeo “viral” no YouTube: “Não É uma Brastemp”.

O mais curioso deste exemplo é que – segundo estatísticas do canal no YouTube (em 29/05/2012), “9486 pessoa(s) gosta(m), 74 pessoa(s) não gosta(m)”. Destas 74 pessoas, e segundo alguns comentários, lê-se que “73 funcionários da Brastemp negativaram esse vídeo“. Estes últimos números podem não ser verdade, pois foram postados por usuários, mas mesmo assim se nota que uma esmagadora maioria apoiava a reclamação publicada.

O resultado? Uma revisão das práticas da empresa e um esforço para reverter o impacto negativo nas vendas e na imagem do produto. Segundo o site Mundo do Marketing http://mundodomarketing.com.br/, a Brastemp e outras empresas que administraram mal estas situações precisaram desenvolver um grande esforço para se recuperar do estrago causado. No mesmo contexto, a Renault se viu às voltas com o site “Meu Carro Falha”, criado por uma consumidora descontente (resolvido no ano passado, e incluindo um pedido de desculpas públicas da empresa: Leia a matéria aqui

A marca Twix também não entregou o prometido, com uma ação promocional que repercutiu mal e literalmente “saiu pela culatra”.

Aqui se faz, aqui se …  pausa?

Mas não somente consumidores finais se enquadram no papel de stakeholders influentes. Um caso emblemático em 2011 foi o da marca KitKat, da Nestlé, a qual teve forte repercussão negativa quando a empresa foi acusada de favorecer uma subcontratada local, aparentemente notória por devastar áreas de preservação ambiental, na Ásia. Destas dependiam grupos nativos de orangotangos para sobreviver, um grupo sob ameaça de extinção. O GreenPeace entrou no jogo e promoveu campanhas e protestos contra a Nestlé, o que gerou grande repercussão mundial. A internet teve um papel decisivo neste impacto. Foi criado um vídeo com jeito de anúncio, no mesmo estilo do tradicional mote da marca: “Faça uma pausa KitKat”. Só que, desta vez, com um detalhe bizarro: o personagem, no vídeo, devora uma barra de … dedos de orangotango!  E baba sangue!

A reação da empresa foi a de acionar judicialmente o Greenpeace, exigindo a retirada da peça do ar. Tarde demais, pois o vídeo explodiu na web e sua página no Facebook foi rapidamente inundada com protestos de boicote dos consumidores, praticamente dominando o mural da empresa. Um desastre de RP com efeito nas vendas.

“O Mural Facebook da empresa, durante a crise (em 2011)”

O efeito foi abafado na página oficial da Nestlé no Facebook, de uma maneira engenhosa, embora considerada “black hat”: para eliminar as mensagens negativas dos internautas, que estavam se acumulando, a empresa “inundou” a mesma com matérias inócuas, gerando uma verdadeira e contínua corrente de informação institucional (sempre postados pelo “usuário Nestle”), fazendo com que qualquer postagem negativa fosse virtualmente tragada e dificilmente visualizada. Parece ter funcionado, como se vê nas imagens capturadas de telas (antes e depois desta intervenção). Este é um exemplo de uma solução imediatista e reativa, executada para “tapar buraco” em uma gestão incompetente. O que se conseguiu, desta maneira, foi efetivamente “censurar” comentários legítimos com os quais a empresa não teria, a priori, o direito de interferir. Qual o preço a pagar?

“O Mural da empresa, após intervenção de conteúdo, no mesmo período”

Este canal de mídia social não perdeu, assim, sua legitimidade? A empresa poderá contar, no futuro, com o mesmo engajamento de seus consumidores? Ficou clara a postura de se suprimir o que considera publicidade negativa, a qualquer custo. E qual o impacto disto na credibilidade e lealdade de seus consumidores? A melhor maneira para se responder esta pergunta está em se comparar a página da empresa no Facebook, hoje. Como se nota na imagem abaixo, o novo modelo – no estilo “timeline”, não permite uma comparação direta com o antigo modelo de “mural em lista”, mas existe ainda uma proporção esmagadora de postagens institucionais frente a uma participação bastante pequena de consumidores, apesar da empresa ter obtido, como anunciou, mais de um milhão de fãs. Mesmo assim, ainda aparecem algumas postagens bem críticas e negativas. É possível que este canal tenha ficado permanentemente comprometido, não mais operando como uma ponte fidedigna para o relacionamento da empresa com seu público.

“O Mural da empresa, em sua nova versão, hoje em dia (maio 2012)”

Diversos outros grupos podem ser identificados como stakeholders que influenciam um projeto, seja ele diretamente realizado na internet ou indiretamente afetado pela mesma: por exemplo, existem os “patrocinadores”, que são indivíduos ou grupos comerciais que – como diz o nome, patrocinam a empreitada. Também existem profissionais do mercado, podendo estes ser gerentes, membros da equipe desenvolvedora, especialistas, fornecedores, etc., que atuam diretamente ou indiretamente no projeto. Outras categorias são os grupos denominados “dependentes” (afetados pelo resultado do projeto, mas com pouca ou nenhuma atuação no mesmo), os grupos responsáveis pela manutenção do resultado do projeto (que pode ser um site, um portal, uma extranet, um aplicativo para smartphone, etc. ou algo completamente “offline”), os canais de mídia (que reportam tanto o produto resultante do projeto como ele próprio), e muitos outros. Cada projeto integra um ecossistema próprio.

Um stakeholder pode ainda ser classificado como:

INTERNO: pertence ao ambiente da organização, e possui uma visão “interna” do mercado, usando de lentes tintadas por uma percepção “parcial” (mesmo que não se considere assim). Dados obtidos de fontes externas são decodificados para se adequar à realidade e interesses da organização, algo muito mais tradicional e próximo do contexto da organização do que a informação real em si (e não decodificada). Mesmo com maior ou menor nível de proximidade com o mercado, de dentro da organização é impossível ser totalmente imparcial. Há, em realidade, uma linha de comunicação geralmente quase unidirecional, do mercado para a empresa, unificada e cartesiana. A internet permite, hoje em dia, gerar um canal de comunicação no sentido contrário, procurando absorver a informação que vem do mercado para a empresa, de uma maneira menos “filtrada”. Mesmo assim, cai inevitavelmente nas mesmas “peneiras”.

EXTERNO: consiste no público consumidor “potencial” (B2B e/ou B2C), identificado em pesquisas, e de outras empresas, embora estas sofram de miopia própria. Quando este consumidor utiliza os canais disponíveis na internet, transcende o consumo em si, pois é hoje em dia um público formador de opinião, capacitado e que demanda uma capacitação semelhante da organização (nem sempre há paridade entre as duas). É altamente inovador, impactando por vezes como o produto / serviço é utilizado e percebido, afetando o escopo atual e futuro do produto. Trata-se de um “organismo vivo e em evolução”.

Junto a este stakeholder, o fluxo da informação ocorre independente da influência direta da organização, que apenas a capta (quando consegue a tempo) e interpreta como pode, por não lhe ser necessariamente dirigida. Por tratar-se de uma estrutura fragmentada/orgânica, multinível, sem uma forma específica, a informação é, muitas vezes, incorretamente decodificada.

Todos estes stakeholders são ligados através de relações de comunicação, cuja eficiência relativa com a qual a informação tramita na internet dá, para este ou aquele grupo, um maior poder de influência.

Mathias Carvalho

Mathias Carvalho

Especialista em mídia digital, desde 1997 trabalhando com planejamento estratégico e gerenciamento de projetos digitais. Professor no MBA em Ger. de Projetos FGV. Doutorando na Rennes SB/FRA, focado em jogos sérios. Mestrado em Marketing Internacional pela UNLP/ARG; MBA em Gerenciamento de Projetos e CEAG pela FGV. Certificados PMP, PRINCE2 e SFC.

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