Empreendedorismo e Inovação Mercado

Serviços e Perspectivas do Crescimento

Por Jorge Arbache

Em 2000, a renda per capita dos Estados Unidos era 29 vezes maior que a dos países em desenvolvimento. Em 2012, a diferença havia caído para 19 vezes, o que dá ensejo a comemoração. Mas ainda é cedo para celebrar. Isto porque, primeiro, parcela significativa da convergência de renda decorreu do crescimento da China e da recessão nos países ricos; e, segundo, porque é muito provável que o hiato de renda entre países volte a aumentar. E a razão principal é a nova dinâmica da economia global cada vez mais baseada em serviços.

De um lado, vida mais urbana, expansão do consumo, inclusive nos países emergentes, transformação demográfica e encurtamento do ciclo de vida dos bens e serviços; de outro lado, mudanças substanciais na organização e nas tecnologias de produção, com as cadeias globais de valor ganhando relevância. Tudo isso tem levado ao rápido crescimento do setor de serviços – os serviços já representam 75% das economias da OCDE; nos Estados Unidos, eles já passam dos 80%; e nas economias de renda média, eles já são 54%.

Mas, daquelas mudanças, a mais profunda é a que ocorre com a natureza dos bens manufaturados. Bens e serviços estão se combinando por meio de uma relação cada vez mais sinergética e simbiótica para formar um terceiro produto, cada vez mais consumido, que nem é um bem industrial, nem tampouco um serviço. De fato, os serviços são parcela crescente do valor adicionado dos bens manufaturados – nos países industrializados, a relação já passa dos 65%. Do preço final do iPad, nada menos que 93% remunera licenças, marcas e comercialização e apenas 7% remunera peças e montagem.

Do preço final do iPad, 93% remuneram licenças, marcas, comercialização e apenas 7% remuneram peças e montagem

Os serviços adentram a indústria por meio de duas famílias de funções. A primeira se refere às funções que impactam custos de produção e de comercialização, como logística, serviços de infraestrutura, manutenção, serviços financeiros, viagens, distribuição e comercialização, dentre outros. A segunda família se refere às funções que agregam valor, diferenciam e customizam produtos o que, por conseguinte, eleva o preço de mercado do bem e aumenta a produtividade do trabalho e a remuneração do capital. Trata-se de P&D, projetos, softwares, serviços sofisticados de tecnologia da informação, consultorias, serviços técnicos especializados, branding, marketing, entre outros.

Evidências empíricas indicam que a disponibilidade de serviços da segunda família está intimamente associada à densidade industrial, aos preços das exportações, à atratividade de investimentos e à participação dos países nas fases mais rentáveis das cadeias globais de valor.

Uma das características da nova dinâmica econômica global é a concentração dos serviços de agregação de valor nos países ricos. Não por acaso, eles comandam as cadeias globais de valor. Já atividades menos nobres, como produção e montagem, são normalmente terceirizadas para empresas localizadas em países em desenvolvimento, que competem entre si pela melhor oferta de serviços de custos, incentivos fiscais e subsídios para atraírem investimentos estrangeiros e participarem das cadeias globais de valor.

A crescente importância dos serviços de agregação de valor para a geração de riquezas está por trás do maior ativismo dos países ricos em favor da liberalização global do setor de serviços, em especial daqueles de agregação de valor. O tema já é um dos pontos centrais das pautas de negociações de acordos multilaterais, regionais e bilaterais de comércio e investimentos.

Em vista das implicações da nova dinâmica econômica para as perspectivas de crescimento das economias, é razoável esperar que a desigualdade de renda per capita entre nações volte a aumentar nos próximos anos, a despeito dos países em desenvolvimento estarem participando mais, e não menos, da economia mundial.

Também nos parece razoável esperar que, a esta altura da globalização, da discrepância de capacidade científica e tecnológica entre países e das regras que governam o comércio mundial, países em desenvolvimento terão dificuldades adicionais para agregar valor industrial e romper com os constrangimentos ao crescimento sustentado. E quanto mais um país insistir em participar da economia mundial somente pela via dos serviços de custos, mais ele se tornará refém da própria estratégia.

O maior desafio dos países emergentes é desenvolver estratégias que lhes permitam romper, cada um ao seu modo e de acordo com a sua realidade, com a armadilha em que estão metidos e aumentar a densidade industrial. Nesse contexto, um caminho que pode ser promissor é o de se integrar mais, e não menos, à economia mundial com vistas a se beneficiar das muitas oportunidades ainda disponíveis de acesso à tecnologia, conhecimento, comércio e investimentos. Países com mercados internos grandes e em expansão e com maior potencial de industrialização das suas vantagens comparativas terão melhores perspectivas de sucesso nessa empreitada.

Mas a estratégia da integração provavelmente funcionará melhor se ela for parte de uma estratégia mais ambiciosa de desenvolvimento que tenha como objetivos aumentar a densidade industrial e inserir o país de forma competitiva e pela “porta da frente” na economia mundial. Condições necessárias, mas não suficientes, para essa jornada são investir mais em capital humano, ciência e tecnologia, inovação, capital físico e, acima de tudo, na modernização do Estado.

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