Ética Gestão de Pessoas

“Power To The People, People In Power” – Dois Conceitos Distintos

Parte II do texto: “Stakeholders em projetos e a Web: muito cacique para pouco índio”  ?

Voltando ao consumidor final. Dentro de um modelo mais tradicional, pode ser envolvido (até mesmo sem saber) em projetos ainda a serem realizados e de maneira indireta como, por exemplo, fazendo parte de pesquisas de “tendência de consumo” – sempre de maneira coletiva (leia-se “amostragem estatística”). Também aparece, com frequência, após a conclusão de projetos de produtos e serviços, de maneira individual, junto aos serviços de pós-venda e SAC das empresas.

Sua posição em uma matriz de “influência por interesse”, nestes casos, é a de “pouca influência” e “interesse relativo”, dependendo do que as pesquisas de potencial de consumo, por meio de estrapolações estatísticas, indiquem.  No “serviço pós-venda”, a opinião do consumidor teria um pouco mais de impacto, especialmente com o advento  de canais formais de contato e órgãos privados, tais como os serviços de atendimento vigentes baseados em pouco confiáveis “call-centers”. Como apoio governamental, o Código de Defesa do Consumidor já está em voga faz mais de vinte anos, e mesmo assim foi necessário o aumento da participação de blogs e sites de reclamação de iniciativa privada (a mídia social contribui muito neste ponto), para que sua influência aumentasse sobre como as empresas realizam seus negócios. De qualquer forma, este impacto geralmente afeta mais o negócio (relativo ao produto e serviço resultantes) do que o projeto em si, que o precede.

Quando analisamos o stakeholder no contexto da sua presença na internet, ele deixa de ser a de um participante passivo. Através da internet, o consumidor tem maior poder de influência – a todo o momento – em como os projetos de desenvolvimento de novos produtos e serviços serão geridos. Pesquisas sobre potencial de consumo retornam resultados menos genéricos e bem mais específicos, permitindo inclusive um monitoramento constante das tendências e opiniões que afetam as chances de sucesso do negócio. Notícias se espalham rapidamente, permitindo que grupos e associações se manifestem antes mesmo de um projeto ser iniciado.

Desta forma, não há como manter o consumidor final em uma “situação de contenção”. Já está livre dos grilhões da desinformação, e demonstra ser bastante dinâmico e independente. A grande questão é: como engajá-lo?

Um interessante artigo escrito por Mark Mullaly, chamado “Stakeholder Engagement, Not Stakeholder Management” descreve como a gestão dos stakeholders envolvidos deve sempre maximizar o seu engajamento, de modo a identificar e suprir, na medida do possível e dentro dos parâmetros do escopo, de qualidade, de tempo e de custos do projeto, suas reais expectativas.

De outra forma, comenta o autor, a mera “administração” dos stakeholders envolvidos infere que precisam ser – de certa forma – contidos para que se preservem os resultados desejados, especialmente em projetos mais complexos. O engajamento, por outro lado, envolve os stakeholders de maneira mais abrangente e abre frentes de comunicação e colaboração consultiva, promovendo assim um maior alinhamento com os objetivos do projeto. Dá muito mais trabalho, envolve um grau de incerteza muito grande e requer um acompanhamento constante, mas também pode aumentar as chances de sucesso, no longo prazo.

Na internet, a mesma abertura que permite a independência do consumidor final, pode ser a porta de entrada para a sua aproximação com a organização. Podemos aprender com empresas pioneiras no engajamento de seus clientes, tais como a Harley Davidson. Esta empresa conseguiu integrar de tal forma a cultura criada nas gerações de seus clientes, que muitos destes não hesitam em tatuar o logo da empresa na pele. Não consigo visualizar uma P&G, Unilever ou Casas Bahia obtendo o mesmo grau de integração.

Outro exemplo radicalmente diferente, mas que consegue participar do núcleo mais íntimo de seus consumidores – a família, está no octogenário produto de higiene pessoal chamado Leite de Rosas . Trata-se de um produto originalmente simples, pouco sofisticado, mas que no Brasil (em especial na região Nordeste e do Rio de Janeiro) é literalmente passado de “mãe para filha”. Gerações de donas-de-casa utilizam o mesmo produto para cuidados com a pele, e até mesmo recomendam como loção pós-barba, incluindo outros membros do domicílio – tudo isso estando o consumidor firmemente convicto sobre todos os benefícios do produto, tornando-o quase um “bem cultural”. Este nível de engajamento é obtido com a comunicação “boca-a-boca” (tradicionalmente, com curto alcance a alta credibilidade), e com ações promocionais inovadoras e inteligentes. Não é necessário muita imaginação para se medir o potencial desta comunicação ao se dispor dos recursos onlines atuais.

Não somente em projetos para a internet, desenvolvendo sites e aplicativos móveis, mas para qualquer produto ou serviço, ao utilizar estes canais as empresas  podem obter sucesso similar no engajamento de seus consumidores, transformando-os em um dos stakeholders mais influentes de toda a matriz.

A intensidade deste poder de influência varia em função da proximidade do dito stakeholder com o projeto, a transparência (ou falta da mesma) para com o stakeholder em questão, entre outros fatores.

Por exemplo, um stakeholder próximo à empresa, mesmo que considerado externo, pode ser aquele que tem acesso às informações do projeto enquanto ele ocorre, e não após o fato consumado. Ao mesmo tempo, stakeholders  também considerados “externos” podem ser aqueles os quais – por circunstâncias da situação, não têm acesso às informações do projeto, durante e após a conclusão do mesmo. Ambos existem dentro da mesma classificação de “externos”.

Podemos propor, neste contexto, e na matriz de influência X interesse de stakeholders, um terceiro eixo –  o de distância correlata à influência na linha de tempo.

Ainda no exemplo acima, podemos citar dois stakeholders externos:

a)      Fornecedor terceirizado

b)     Consumidor final

Ambos são classificados, tradicionalmente, como externos, e normalmente (dentro da matriz convencional) estão posicionados de maneira distinta:

Ao considerarmos um projeto na internet, como em muitos outros aspectos deste mercado, as distâncias se tornam relativas. Da mesma maneira, o grau de influência também.

Normalmente, os consumidores participam em dois momentos: pesquisa de mercado e serviço pós-vendas (quando o projeto se torna um processo). Estes canais de comunicação sofrem com todo tipo de influência e arbitrariedades, geralmente adaptando-se a informação bruta às necessidades, objetivos ou expectativas dos stakeholders diretamente envolvidos, normalmente classificados como “internos” e muito “próximos” (em nossa nova escala), do projeto.

Neste novo contexto, os consumidores finais deixam de participar antes ou após um projeto e passam a ser influenciadores em etapas de planejamento (pré-projeto), execução (gestão do projeto) e entrega final (aceites e colocação do produto gerado no mercado, por assim dizer). Esta influência altera, como no exemplo do quadro acima, a posição em que estes (e outros stakeholders) são classificados, estando muito mais próximos ao projeto do que antes.

Identificar a expectativa certa no momento certo

O filme abaixo, gravado nos anos cinquenta, tem o claro objetivo de se apresentar uma visão “romântica” de um futuro baseado em tecnologia.

Alguns dos conceitos apresentados, concebidos na época como ficção, estão efetivamente concretizados hojeem dia. Vamosanalisar algumas das inovações previstas:

– A “casa inteligente”, conceito desenvolvido hoje na Europa e em outras regiões do planeta http://www.msichicago.org/whats-here/exhibits/smart-home/ opera, de certa maneira, nos mesmos princípios e no contexto de desejos e expectativas da época em que o filme foi rodado. Quem não gostaria de ter uma casa que, ao chover, fechasse as janelas?

– E quem hoje em dia não associa gravar um programa da TV com um Netflix, NetMovies ou outro fornecedor semelhante?

– Não havia “baby monitor” com vídeo na época… nem sensor eletrônico de movimento (ou de luz que acende ao se bater palmas, como nos anos 90).

– A Sony acaba de criar o smartphone de pulso SmartWatch comparável ao “rádio – relógio de pulso” do filme.

– Um sistema de vídeo anexado ao telefone não lembra o Skype? Ligação direta sem DDD com conexão inteligente é algo nem tão antigo assim, desde que começous a ser oferecido pelas principais teles brasileiras.

– TV flatscreen 3D com LED e a cores? Qualquer supermercado vende diversas opções acessíveis à classe média.

– Entre outras inovações, e afora o piloto automático e escalas mais curtas de viagens, a parte “bélica” é algo em sintonia com a época do filme (início da guerra fria) – hoje talvez se associaria com a questão do terrorismo?

– O “grande sabe-tudo” do futuro migrou de um CPD em uma sala para a “nuvem”, e se chama “Google”. O resto é parecido. Calcular, traduzir, tabular, recriar, armazenar… todos os verbos mencionados já foram contemplados.

Este filme contém respostas às inúmeras expectativas de consumo de maneira exemplar. Um genial exemplo de identificação do que o consumidor mais deseja. O único problema é terem errado seu público-alvo, por não menos de duas gerações.

Os CEOs estão cada vez mais engajados para que suas empresas integrem fornecedores, empregados e consumidores, como mostra a excelente pesquisa “Leading Through Connections“ da IBM. Será que isso é verdade, ou estamos presenciando mais uma projeção de imagem coorporativa gerada pelo departamento de RP? Quando as empresas realmente tomam para si a responsabilidade de interagir com consumidores e profissionais, integrando-os em seus projetos, enfrentam os mesmos desafios de outras épocas, com uma pequena diferença: o jogo está correndo em todos os lugares, todo o tempo, sem parar. Acho que podemos entender a causa de tanto estresse.

Em conclusão, vivemos em uma época quando não há regras, padrões ou expectativas pré-determinadas, uma verdadeira “terra de ninguém” da mídia social. Novos portais são lançados, novos contextos são criados e os consumidores estão sempre um passo à frente dos desenvolvedores, na maneira como utilizam estas ferramentas. Cada um estabelece sua escala de valores, objetivos e expectativas. Nada combina com muita coisa, e tudo funciona em conjunto, nem sempre de maneira sincronizada. Já vimos isso antes, nas listas TelNet  de discussão, nos primórdios das contas de email virtuais do Hotmail (pré-Microsoft) e na febre com que a ferramenta de IM (instant messaging ou mensagem instantânea) tomo as mentes dos então jovens internautas, e que hoje foi absorvida nas demais estruturas dentro do “seu status” ou do chat do Facebook. Parece ser o mesmo de sempre, só que nunca se viu “tanto ao mesmo tempo agora”.

Mathias Carvalho

Mathias Carvalho

Especialista em mídia digital, desde 1997 trabalhando com planejamento estratégico e gerenciamento de projetos digitais. Professor no MBA em Ger. de Projetos FGV. Doutorando na Rennes SB/FRA, focado em jogos sérios. Mestrado em Marketing Internacional pela UNLP/ARG; MBA em Gerenciamento de Projetos e CEAG pela FGV. Certificados PMP, PRINCE2 e SFC.

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