Empreendedorismo e Inovação

People analytics: conhecer para tracionar

Muito tem se falado da transformação digital e people analytics e sobre o quanto estes processos estão mudando e ainda vão mudar o mundo. Mas o que isso significa?

Para entender o que é a transformação digital, é importante voltar no tempo e avaliar como tudo isso começou. Antes de falarmos em inteligência artificial, internet das coisas (IoT), o mundo começou a se digitalizar. Esse processo se deu passo a passo, com aplicações que hoje estão por toda parte, mas foram absolutamente fantásticas e inovadoras quando lançadas.

A troca de dados e o people analytics

Há muitos anos, fazíamos a troca de dados por uma tecnologia chamada EDI, Electronic Data Interchange. Arrisco dizer que a maioria dos leitores nunca deve ter ouvido falar dela, até porque, já não existe mais. Ela foi fundamental na década de 90 para a conexão de bancos e para a indústria automotiva se conectar diariamente com fornecedores e outras indústrias.

A conexão só era possível algumas vezes ao dia, pois não existia infraestrutura para conexão contínua. Já nesta época começávamos a falar em transformação digital, portanto esse termo é mais antigo do que imaginamos. No entanto, começamos a escutá-lo com mais frequência nos últimos anos, com o surgimento de tecnologias mais evoluídas, baratas e de fácil uso.

A simplificação da tecnologia, a redução dos custos e a introdução dos smartphones, no ano de 2007, fez com que houvesse profundas mudanças na sociedade, impactando diretamente em como as empresas funcionam. A adoção cada vez maior, por diversas classes sociais, passou a gerar escala cada vez maior de uso. Isso provocou um círculo virtuoso de redução ainda maior de custos e o surgimento de novas aplicações, mudando tudo que fazemos. Bancos, transporte, alimentação, turismo e praticamente tudo que fazíamos antes passou a ser acessado pelos smartphones de forma digital.

A digitalização dos serviços foi se intensificando ao longo das décadas, a partir da virada do século. Isso fez com que ter presença digital passasse a ser condição de estar no mercado. Consideramos isso, é válido fazer uma análise sobre a melhor forma de descrever nossas ações. Estamos continuamente nos transformando digitalmente ou evoluindo na digitalização?

O que vivemos é uma transformação digital ou uma evolução digital?

Em nossa percepção, devemos sim, passar a chamar esse processo de evolução digital, pois o mundo já se transformou. E nesse cenário surge uma nova proposta de conceito, que podemos chamar de Revolução Digital. Uma revolução pode ser descrita como uma mudança radical dentro do contexto político, econômico, cultural e social de uma sociedade, estabelecendo uma nova ordem. E por que não podemos incluir a digitalização como uma forma de estabelecer essa nova ordem?

As inovações tecnológicas podem criar novas formas de fazer absolutamente tudo, como temos presenciado ao longo das últimas décadas. Isso vem mudando o mercado, a forma como as pessoas se comportam e as suas expectativas. A inovação baseada em tecnologia pode ser um fator de mudança profunda em nossa sociedade, definindo quem fica e quem sai do mercado.

Podemos dizer que quem não inovar terá grandes chances de ser apenas mais uma empresa no mercado, apenas evoluindo digitalmente. Diante disso, temos que nos fazer outra pergunta: devemos continuar evoluindo digitalmente ou passar por uma revolução digital? Ou podemos apenas nos perguntar: queremos ser protagonistas ou coadjuvantes?

Mas o que nos define como protagonistas ou coadjuvantes?

Para nos revolucionar digitalmente, precisamos ter pessoas criando, se adaptando e inovando. Todas estas mudanças estão associadas à capacidade de um time de estar comprometido a realizá-las. E o comprometimento existirá quando tivermos pessoas dispostas a arriscar, errar, aprender, desaprender e reaprender.

Estes comportamentos, muitas vezes, já são naturais de algumas pessoas, mas a grande maioria das empresas não os enxergam. Isso ocorre porque os profissionais costumam ser percebidos por suas hard skills, e não pelas soft skills, que são essas habilidades.

As empresas acabam não conhecendo quem são os seus times e o que há de mais precioso neles: as suas competências comportamentais.

Abordei o tema neste artigo, em que avaliamos alguns pontos importantes que as empresas precisam avaliar para crescer. Um deles é o aumento da diversidade nas equipes, para aumentar o poder criativo. Mas essa diversidade não envolve necessariamente gênero ou raça – outro tipo de diversidade que também é fundamental. Ela é muito mais direcionada à diversidade de comportamentos.

Este tema já foi amplamente estudado por autores como Jeffrey H. Dyer, Hal Gregersen e Clayton M. Christensen, um dos maiores estudiosos de inovação. Em seu artigo The DNA innovators, Christensen mostra que existem 5 habilidades que em geral são encontradas em empresas que inovam:

  1. Associar
  2. Questionar
  3. Observar
  4. Experimentar
  5. Fazer networking

As competências comportamentais (soft skills) são fundamentais para criar times inovadores!

Mas como podemos conhecer as competências e os comportamentos das pessoas na transformação digital?

A forma mais efetiva é levantar as dominâncias comportamentais das por meio de assessments e traduzir os resultados em painéis de dados. Isso nos permite avaliar os pontos fortes e fracos e melhorar as equipes.

Ao consolidar os painéis de dados, a organização pode tomar decisões mais e compreender se possui capital humano para tracionar. Em caso negativo, será preciso intervir para alcançar os resultados esperados por meio de uma revolução digital.

E o que são estes painéis de dados? Podemos chamá-los de people analytics (em tradução livre, “análise das pessoas”). Esses conjuntos de dados nos dão a capacidade de avaliar as pessoas por meio de resultados numéricos. Alguns pontos são importantes para formar o people analytics:

  1. Selecionar o conjunto de dados necessários para avaliar as pessoas.
  2. Compreender qual ferramenta vai traduzir as variáveis desejadas das pessoas em números.
  3. Entender como as variáveis se relacionam.
  4. Traduzir essas relações em resultados.
  5. Evitar que os números sobreponham às pessoas.
  6. Fazer com que o people analytics seja um suporte à decisão e não a resposta definitiva sobre o que são as pessoas.

O primeiro ponto é o mais importante: a escolha das variáveis essenciais para compreender o que vamos avaliar nas pessoas. O conjunto de variáveis que mais impacta nossas decisões é a medição da dominância comportamental. Estas variáveis permitem avaliar quais comportamentos são dominantes, considerando os seguintes elementos:

  1. Contexto: podemos considerar vários contextos, como o segmento de mercado, a área de atuação, o propósito, etc.
  2. Situação: a análise situacional considera, por exemplo, se o ambiente onde as pessoas serão analisadas é tenso, calmo, complexo, etc.
  3. Temporalidade: o período de tempo se deseja analisar.
  4. Dilemas: as situações e os dilemas do dia a dia de trabalho que serão avaliados para compreender as suas reações.

Com estes pontos levantados, podemos compreender os comportamentos que as pessoas possuem, considerando todos os elementos descritos anteriormente. Esse processo nos permite simular ambientes organizacionais reais e os pontos fortes e a melhorar das equipes.

Estes conjuntos de dados nos ajudam a desenhar quem são as pessoas em nossas equipes e os seus padrões de tomada de decisão. Assim, podemos corrigir esses comportamentos sempre que necessário para fazer a revolução digital em nossas empresas.

Estudo de caso

Algumas empresas franqueadoras precisavam entender por que havia tanta dificuldade das organizações em realizar a transformação digital. Após a realização de estudos em uma grande base de pessoas no segmento de franquias, foram obtidos os seguintes resultados:

Esta tabela indica uma correlação de Pearson. Quanto mais próximos de 1 e -1, maior a correlação entre as variáveis, sendo o 1 uma correlação direta, e o -1, uma correlação inversa. Quando mais próximos os resultados estão de 0, menor a correlação entre as variáveis.

Foram obtidos os seguintes resultados:

A inteligência emocional dos profissionais impacta diretamente a habilidade gerencial. Por outro lado, a inteligência emocional tem relação inversa com a adaptabilidade, o que difere do que está ocorrendo no mercado.

A hipótese levantada é de que as pessoas estão executando ações lineares. Isso significa que ainda estão presas em ações tradicionais, resistindo à digitalização necessária para inserir as franquias neste novo mercado, que requer uma profunda digitalização. Outros resultados que nos chamam a atenção é a capacidade de adaptação dessas empresas, como mostra o quadro a seguir:

Neste quadro é possível ver a dominância de comportamentos relacionados à adaptabilidade de profissionais dessas empresas. Vemos que a adaptabilidade é baixa, o que reforça a hipótese de que as pessoas estão ancoradas na forma de gestão que sempre adotaram. Por fim, mais uma amostra que corrobora com a hipótese analisada:

Quando é monitorada a inteligência emocional e os comportamentos associados a ela, observamos outro padrão interessante. Considerando a inovação, percebe-se que as pessoas perdem o autocontrole quando submetidas a ambientes inovadores.

Estes dados nos permitem a compreender os riscos que as organizações precisam gerenciar ao avaliar seu futuro em um mundo digitalizado. O people analytics é uma ferramenta poderosa que ajuda as empresas a tomar decisões mais assertivas.

Muitos outros conjuntos de dados podem ser avaliados e estruturados em painéis para permitir que os gestores entendam suas equipes e as desenvolvam com precisão.

Se o objetivo da sua empresa é tracionar, é preciso conhecer muito as pessoas que fazem parte dela. Entenda os comportamentos dos profissionais e os desenvolva para que eles ajudem a organização a acelerar em um mundo de constantes mudanças.

Fernando Arbache

Fernando Arbache

Mestre em Engenharia Industrial PUC/Rio. Independent Education Consultant working with MIT Professional Education. Graduado em Engenharia Civil, UFJF. Data and Models in Engineering, Science, and Business/MIT, Cambridge, MA (USA). Challenges of Leadership in Teams/MIT, Cambridge, MA (USA). Data Science: Data to Insights/MIT, Cambridge, MA (USA). AnyLogic Advanced Program of Simulation Modeling/Hampton, NJ (USA). Experiência Acadêmica: Educational Consultant working with MIT. Instructor in Digital Courses at MIT Professional Education in Digital Transformation and Leadership in Innovation. Atuou cimo coordenador da FGV em cursos de Gestão. Atuou como professor FGV, nas cadeiras e Logística, Estatística, Gestão de Riscos e Sistemas de Informação. Professor da HSM Educação, IBMEC e FATEC. Livros escritos: ARBACHE, F. Gestão da Logística, Distribuição e Trade Marketing. São Paulo: Ed. FGV, 2004. ARBACHE, F. Logística Empresarial. Rio de Janeiro: Ed. Petrobras, 2005. ARBACHE, A. P. e ARBACHE, F. Sustentabilidade Empresarial no Brasil: Cenários e Projetos. São José do Rio Preto- SP: Raízes Gráfica e Editora, 2012. Pesquisa: Desenvolvimento de modelos de mapeamento de Competências Comportamentais e Técnicas, por meio de gamificação com uso de Inteligência Artificial, utilizando Deep Learning e Machine Learning (http://www.arbache.com/mobi). Programa de Inovação com 75 cooperativas de diversas áreas de atuação e aproximadamente 500 participantes, com Kick-off no MIT PE (http://www.arbache.com/inovacoop). Desenvolvimento de Inteligências nos dados e métricas - Big data e precisão nas tomadas de decisões na gestão de pessoas. Experiência Profissional: CIO (Chief Innovations Officer) da empresa Arbache Innovations especializada em simulação, inovação com foro em HRTech e EduTech – empresa premiada no programa Conecta (http://conecta.cnt.org.br) como uma das 5 entre 500 startups mais inovadoras da América Latina. Acelerada pela Plug&Play (https://www.plugandplaytechcenter.com) em Sunnyvale, CA – Vale do Silício entre novembro e dezembro de 2018. Desenvolvimento de parceria com o MIT – Massachusetts Institute of Technology para cursos presenciais e digitais – http://www.arbache.com/mitpe, https://professional.mit.edu/programs/digital-plus-programs/who-we-work & https://professional.mit.edu/programs/international-programs/who-we-work

Deixe seu comentário

Clique aqui para publicar um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.