Gestão de Pessoas Tecnologia

Estamos pensando em ética com as novas tecnologias?

Temos observado um avanço tecnológico significativo nos últimos anos, com desenvolvimento e aprimoramento de soluções de big data, inteligência artificial, internet das coisas, machine learning e diversas outras soluções que impactam as rotinas dos indivíduos. Porém, com esse avanço, quais são as questões éticas envolvidas? Estamos fazendo essa reflexão?

O que observamos, é que há muitas discussões em torno de novos modelos organizacionais, soluções de tecnologia e transformação digital, mas muito pouco é falado da ética envolvida nesses novos modelos. Como citado por (Cortella 2017), uma empresa para trazer a ética para o dia a dia, precisa manter vivas essas questões entre seus funcionários, fomentando a reflexão e o comportamento crítico.

As divulgações e pesquisas normalmente focam na disrupção tecnológica envolvida nas soluções, nas novas funcionalidades, nas novas maneiras de resolver os problemas, mas não abordam de forma conjunta o modo como a nova solução afeta a vida do indivíduo e sua existência em sociedade. Mesmo sob a perspectiva da própria empresa, fomentar a ética deveria ser uma questão importante para sua existência e perenidade pois, como citado por Leandro Karnal (2017), a vida ética é válida, porque é lucrativo, agrega valor à marca, protege a empresa de escândalos, além de garantir a liberdade e manter o indivíduo em paz.

Ao realizar uma pesquisa com profissionais do mercado de diversas organizações, perfis e funções sobre conflitos éticos associados às novas tecnologias (ANDRADE, 2018), observei que a grande parte dos conflitos citados pelos respondentes se referem às preocupações referentes ao uso de informação privilegiada e à falta ou pouca existência de legislação para esse tema. Os pontos citados ainda são, de fato, um risco real e uma preocupação que não foi endereçada plenamente, e que ainda precisa ser mantida em destaque e discussão. Porém, não é um conflito novo e nem uma questão emergente de tecnologias recentes, pois desde o início da internet e o avanço da tecnologia digital, a ética envolvida na proteção de dados já é uma questão a ser endereçada. A Lei Geral de Proteção de Dados, um marco legal que regulamenta o uso, a proteção e a transferência de dados pessoais no Brasil, (exigindo consentimento explícito para coleta e uso dos dados e obriga a oferta de opções para o usuário visualizar, corrigir e excluir esses dados), foi sancionada e publicada no dia 15 de agosto no Diário Oficial da União (Agência Senado, 2018). A publicação da lei, que entra em vigor em 1 ano e meio, já é um marco para tratar a questão de proteção de dados que muitos citam como a principal questão ética associada às novas tecnologias.

Mesmo citando os itens que já são uma realidade, esses profissionais não citaram novas formas de endereçar essas mesmas questões (ANDRADE, 2018). Ainda se prenderam a questões de governança da própria empresa e a própria legislação em si. A proposta de novas soluções para tratamento de problemas éticos já mapeados, também poderia ser uma reflexão mais aprofundada sobre o tema, porém não foi o que foi observado. O comportamento dos profissionais em geral e suas reflexões, ainda estão mais voltadas para o resultado da empresa e do negócio, do que para os novos conflitos éticos que podem influenciar o seu dia a dia no futuro.

Questões relevantes que analisam como o avanço da tecnologia irão promover novos comportamentos, novas relações e modelos de convivência no futuro que mudarão os indivíduos eticamente e na convivência em sociedade, não foram citados pela grande maioria dos respondentes (ANDRADE, 2018).

Sob essa ótica, o ponto principal é que sociedade em geral não está refletindo sobre as consequências éticas envolvidas, como casos citados no livro Homo Deus de Yuval Harari e Paulo Geiger (2016). Eles questionam reflexões de fato mais atuais como, por exemplo, qual o impacto quando scanners de cérebro forem capazes de revelar mentiras e enganações com o apertar de um botão, ou quando professores digitais monitorarem minuciosamente cada resposta dada e quanto tempo para dá-las, discernindo fraquezas e pontos fortes dos indivíduos. Ou ainda, que conflito familiar, social, comportamental, emocional pode ser gerado quando o Watson tiver intimamente familiarizado com todo o genoma e o histórico médico do indivíduo, bem como com os genomas e o histórico médico dos pais, irmãos, primos, vizinhos e amigos, além de saber instantaneamente se o indivíduo esteve num país tropical, se teve infecções estomacais recorrentes, se houve casos de câncer intestinal na família, ou se em toda a cidade houve queixas de diarreia esta manhã.

Ao que tudo indica, as pessoas só irão pensar sobre os conflitos éticos e o impacto em seu cotidiano, quando de fato essas questões se estabelecerem e forem um problema já consolidado. No momento atual, novos modelos e novas tecnologias já estão surgindo e novas reflexões são continuamente necessárias. Dessa forma, é importante que o quanto antes a sociedade antecipe essas reflexões, para que seja possível enfrentar e tratar os conflitos antes que os problemas se estabeleçam.

Como bem colocado por Leandro Karnal (2017), não é possível ser feliz não sendo ético, ou viver num país onde a ética não é dominante. A vida que vale a pena ser vivida é a vida ética, não porque foi dito por Platão e Aristóteles, mas porque é de fato a coisa mais importante que cada um pode fazer para mudar o país e melhorar a vida da sociedade.

 

Referências:

CORTELLA, Mario Sérgio. Qual é a tua obra?: Inquietações propositivas sobre gestão, liderança e ética. São Paulo: Editora Vozes, 2017. Não paginado.

HARARI, Yuval N.; GEIGER, Paulo. Homo Deus: Uma breve história do amanhã. São Paulo: Companhia das Letras, 2016. Não paginado.

KARNAL, Leandro, Os animais não tem ética https://www.youtube.com/watch?v=t9ZJ6FmRv2w, 2017. Acesso em: 29 set. 2018.

AGÊNCIA SENADO. https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2018/08/15/sancionada-com-vetos-lei-geral-de-protecao-de-dados-pessoais. Acesso em: 13 out. 2018.

ANDRADE, Thaís. Conflitos éticos em organizações exponenciais. São Paulo: Fundação Getúlio Vargas, 2018.

 

Thais Andrade

Thais Andrade

Engenheira de Produção graduada pela PUC-Rio, com MBA em Desenvolvimento Humano de Gestores pela Fundação Getúlio Vargas. Practitioner em Programação Neurolinguistica e cursos de extensão em Neurociência para o ambiente corporativo e treinamentos de Liderança. Experiência de mais de 13 anos em implantação de sistemas em diversos clientes de diferentes segmentos e portes. Atuando há mais de 7 anos em uma empresa brasileira de Tecnologia.

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