Empreendedorismo e Inovação Mercado

Importação de Serviços e Crescimento

Por Jorge Arbache

É consenso que a economia brasileira está em transformação. Vide, por exemplo, o que está ocorrendo com as transações correntes. Historicamente, o déficit dessa conta é determinado pelo fluxo de rendas – no período 1995-2002, elas responderam por 73% do déficit acumulado. Já a balança comercial e de serviços têm papéis secundários; a primeira, promovendo superávits; a segunda, déficits, mas numa proporção de 1 para cada 3 da conta de rendas.

A conta de rendas explica a crescente deterioração das transações correntes observada desde meados da década passada? Definitivamente, não. Na verdade, a conta de rendas ficou mais bem comportada. No biênio 2012-2013, o déficit de rendas foi de 1,6% do PIB, praticamente metade do déficit médio do período 1980-2013. O que, então, explica a deterioração das contas externas? Diferentemente do padrão histórico, os déficits têm sido causados pela combinação de forte piora da conta de serviços com desaceleração dos superávits comerciais.

De fato, o Brasil se tornou um grande consumidor de serviços importados; já temos, hoje, um dos maiores déficits globais do setor. As despesas com serviços internacionais saltaram de US$ 15 bilhões, em 2004, para US$ 24 bilhões, em 2005. Dali em diante, as despesas deram grandes saltos, chegando a nada menos que US$ 86 bilhões em 2013.

A importação de serviços vem superando desde 2012 a conta de rendas nas transações correntes

A importação de serviços cresceu tão rapidamente que vem superando, desde 2012, a conta de rendas nas transações correntes. Não por acaso, enquanto o déficit da conta de rendas diminuiu, passando de -3,9% do PIB, em 2005, para -1,8%, em 2013, o déficit da conta de serviços passou de -1,2% para -2,1% no período. Já o superávit da balança comercial nos anos 2010-2013 foi de 0,9% do PIB, bem abaixo da média das últimas décadas, de 2,4%.

O aumento da importação de serviços não é um problema per se. Se os serviços importados contribuírem para alavancar o crescimento da economia via agregação de valor, diferenciação de produtos ou promoção de exportações, por exemplo, então aquelas importações estarão associadas a um círculo virtuoso. Mas, infelizmente, esse não foi o nosso caso. Isto porque o déficit foi causado, sobretudo, pela piora das contas de viagens internacionais e de aluguel de equipamentos. O déficit de viagens internacionais passou de US$ 2 bilhões em 2000 para nada menos que US$ 18,6 bilhões em 2013. Já aluguel de equipamentos passou de US$ 1,3 bilhão para US$ 19 bilhões. Juntas, essas despesas explicam 79% do déficit de serviços do último ano.

O problema com o colossal déficit de viagens internacionais é que elas são consumo final. No caso do aluguel de equipamentos, parte significativa das despesas se refere ao aluguel de plataformas, navios, sondas e outros equipamentos para o setor de óleo e gás. O problema, nesse caso, é que eles se destinam à produção de commodities e, logo, não agregam valor ao preço final.

O que resta saber é se a mudança recente na composição das transações correntes é permanente ou transitória e quais seriam as suas implicações. Assumindo, por um instante, que são permanentes, estimamos sua relação com o crescimento econômico. Identificamos que cada 1% de crescimento do PIB está associado a um crescimento de 1,3% nas importações e de 1,1% nas exportações de serviços. Ou seja, ao que parece, a economia brasileira teria se tornado intensiva em serviços importados. Tudo o mais constante, esses números sugerem que a eventual aceleração do crescimento econômico será acompanhada por aumento da deterioração das contas correntes.

A elevada intensidade de serviços importados está associada a fatores como preços e qualidade dos serviços, oferta interna de serviços utilizados como insumos produtivos, aumento da renda das famílias e apreciação cambial.

Em vista da nova conformação da economia mundial, cada vez mais baseada em serviços, e da crescente concentração dos serviços de agregação de valor e diferenciação de produtos nos países desenvolvidos, é razoável esperar que as importações de serviços crescerão, e substancialmente, ao longo dos próximos anos.

Por fim, é provável que as nossas importações líquidas de serviços estejam subestimadas, o que se deveria às estatísticas tradicionais de comércio, que não capturam o componente de serviços embutidos nos bens industriais importados, e ao perfil das nossas exportações, dominado por commodities.

A crescente relevância dos serviços para a criação de valor já tem incitado a advocacia dos países mais competitivos em favor da remoção de barreiras e liberalização dos serviços, inclusive dos embutidos nos bens comercializados. Pelo andar da carruagem das discussões dos acordos regionais de comércio, investimentos e serviços, é muito provável que, cedo ou tarde, haja mudanças substanciais nas regras de governança do comércio e investimentos, o que terá implicações não negligenciáveis nas perspectivas de crescimento econômico dos países em desenvolvimento. Nesse eventual contexto, é provável que tarifas e até câmbio percam relevância como instrumentos de proteção e de promoção do comércio.

Esse cenário sugere que o Brasil deveria, desde já, elevar os esforços em favor da modernização e dos investimentos em serviços em geral, mas dos de agregação de valor e diferenciação de produtos em particular, e atrair players internacionais do setor, de forma a que a atividade se torne protagonista do crescimento sustentado do país.

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