Cotidiano

Abraçando as incertezas: a gestão de mudança ágil

Aceitar que não sabemos o que está por vir é o primeiro passo para lidar com as incertezas de mercados e profissões cada vez mais complexas e aleatórias.

Este artigo foi escrito por Fernando Arbache, Ana Elisa de Siqueira, Letícia Panisset e Sandra Gioffi.

Introdução

Neste momento, vivemos um período de exceção. Aguardamos que tudo se normalize, para que possamos voltar às vidas que tínhamos antes de março de 2020, quando a pandemia nos atingiu. Porém precisamos entender que não teremos vidas exatamente iguais àquelas, mesmo após o controle e – tomara – erradicação da Covid-19.

Sem dúvidas, é um momento de absoluta incerteza do que está por vir. Talvez um dos primeiros momentos em que a humanidade, sempre em busca de certezas sobre o futuro, enfrenta essa consciência escancarada de que não sabemos quais serão os próximos passos.

Não sabemos quanto tempo levaremos para que o mundo seja vacinado ou se surgirá uma cepa resistente à vacina. E por mais que as vacinas nos empolguem e tranquilizem, a realidade é que mal sabemos quais são os possíveis efeitos colaterais futuros desses imunizantes – o que, de modo algum, deve desencadear movimentos de aversão à ciência e à vacinação.

Vejam que nossas incertezas estão no curto prazo. Mas, como nos ensina Daniel Kahneman, nossas mentes e seus sistemas de raciocínio são levados pelo processo evolutivo a encontrar relações de causa e consequência em tudo, para ter certezas absolutas sobre o mundo. Então, se aceitamos agora que nem no curto prazo alcançamos certezas, como podemos ter visões determinísticas no longo prazo?

Nossas visões de longo prazo estão ofuscadas por todas as dúvidas que temos em relação ao nosso futuro, pois o que nos trouxe até aqui permanece entre nós. A pandemia se nega a ceder aos planos e estratégias que queremos desenhar para os nossos futuros. E talvez seja o melhor momento para assumirmos uma visão talebiana e aceitarmos que somos muito ruins em prever o futuro. Mas isso não é ruim, pois, ao aceitar nossas limitações e entender o óbvio – as incertezas são, por definição, incertas – podemos lidar muito melhor com elas.

As incertezas abalando nossas profissões

Essa história começou quando percebemos que a pandemia afetaria diretamente todos os nossos planejamentos estratégicos desenhados em 2019. Cuidadosamente preparados, a grande maioria foi rasgada e teve como destino a lixeira em questão de meses. Por quê? Eles eram baseados em projeções passadas e lineares, que acreditavam nas probabilidades extraídas de nossos caríssimos e inteligentes sistemas de projeção para o futuro.

Pena que, dentro das muitas certezas que eles nos trouxeram, nós ignoramos os cisnes negros.

Cálculos, reuniões estratégicas, inteligência artificial e muito mais recursos foram utilizados, olhando para o passado e projetando o futuro. Nenhum desses sistemas, nos quais confiamos tanto, nos alertou para a probabilidade de ocorrência de eventos cujas probabilidades são baixas. Confundimos a ausência de evidências com a evidência de ausência, como nos alerta Nassim Taleb, e o resultado disso foi visto nas organizações ao longo de 2020.

Precisamos aceitar que poucos são os fatos determinísticos. Se jogarmos uma pedra pra cima na rua, ela certamente cairá. Quando lançarmos aquele megaprojeto, muito bem elaborado para ser vencedor e trazer sucesso para nossa organização, o que acontecerá? Não sabemos. E, por mais que nossos instintos primitivos de autoproteção e conservação da espécie nos façam querer desesperadamente uma resposta – seja ela “sim” ou “não” –, o mundo não as tem para nos oferecer.

Descartamos as chances de encontrar algo que não conhecemos e não avaliamos o imponderável ou o evento de baixa probabilidade, mesmo porque muitas vezes nem sabemos que ele existe. Então, quando acontece, nos assustamos, começamos a agir de forma caótica, piorando ainda mais a situação.

É aí que percebemos que profissionais e organizações sobreviverão às incertezas e suas consequências. Estes são os que buscarão sair do domínio do Caos para o domínio Complexo – fazendo uma referência ao framework Cynefin, do galês Dave Snowden. Para passar do caótico para o complexo, devemos desenvolver novos processos para lidar com os eventos inéditos que acabaram de acontecer.

Nesses casos, nossas formas de pensar e nossos sistemas inteligentes e caríssimos de nada adiantarão, pois sua matemática buscará compará-los com eventos passados, lineares e altamente preditivos. Portanto, temos que recorrer à mente humana e resgatar algo importante, que muitas vezes parece estar perdido: a nossa capacidade de mudar e nos adaptar a novas realidades.

A aleatoriedade como aliada

Gerenciar a mudança e se adaptar ao novo não é fácil, porque temos a natural resistência de não querer sair de nossa zona de conforto. Isso requer esforço e, mais, o empenho de muita energia na mudança, pois ela terá que ser feita de forma ágil. Se não a fizermos, rapidamente, se tornará obsoleta ou alguém a fará, deixando-nos para trás.

Nessas situações, precisamos ter conhecimento do que é preciso fazer, ter condições de fazê-lo e estar dispostos a concluir as ações: saber – poder – querer.

Após lidarmos com o imponderável, tudo passará a ser visto como normal, e surgirão novas certezas sobre as suas causas – mesmo que a causa real seja a aleatoriedade que rege nosso mundo e as decisões da Deusa Fortuna. Novamente fazendo referência a Kahneman, o viés retrospectivo, uma heurística frequentemente usada, nos levará a entender que o evento era, na realidade, altamente previsível.

Como descrito por Taleb no livro “A lógica do cisne negro”, muitos serão levados ao caminho da falácia narrativa, encadeando sequências de fatos para trazer linearidade ao que é complexo. Mas isso não deve nos afetar. Precisamos saber lidar com a complexidade e abraçar as incertezas como parte de nossas profissões, organizações e projetos.

Temos a chance de ser agentes da mudança ou aguardar para saber como procederemos. Se optarmos por aguardar, podemos até sobreviver, mas e se surgir um novo evento imponderável? Vamos continuar aguardando, enquanto o mercado se movimenta e nossos concorrentes nos deixam para trás?

Como agir de agora em diante

Assim como a Covid-19, inovações também provocam efeitos devastadores e letais para algumas empresas. A inovação é igualmente imponderável, pois ela pode sair de uma ideia de uma startup, em um pequeno país cujo nome mal conhecemos, e abalar o mercado global. Enquanto isso, nossos bons e conhecidos sistemas de inteligência, responsáveis por mapear a concorrência, nem perceberam a sua existência.

A pergunta que devemos fazer é “quando um evento imponderável desses vai afetar a minha empresa?”, e não “será que ele vai acontecer?”. Considerando esse fato, temos que optar pela preparação para essas situações caóticas. Para sobrevivermos, temos que estar dispostos a aprender e mudar, adaptando-nos em velocidades cada vez maiores a tudo que vier.

Logo, a gestão de mudança ágil se faz essencial. Mudar deixa de ser uma exceção e passa a ser uma rotina. A resistência e o medo de mudar tornam esse processo lento e ineficaz, portanto é importante acrescentar a agilidade na gestão de mudança.

Agilidade: empatia e colaboração

A gestão de mudança ágil impacta profundamente a forma como pensamos e agimos, pois ela requer a colaboração, a escuta, o abandono de nossos orgulhos e do nosso ego.

É natural que, ao deparar com o desconhecido, nossa performance caia. Isso se deve ao vale do “desespero”, uma mudança do ritmo de entrega da equipe, que precisa ser engajada e capacitada para continuar entregando. A gestão correta pode mudar o tempo de resposta das pessoas, minimizando o tempo gasto na adaptação.

É importante destacar que esse processo varia de pessoa para pessoa, principalmente considerando as experiências e valores de cada um. Um conjunto de ações executadas reduz o desconforto com o novo, transformando comportamentos resistentes em comprometimento.

Isso se deve ao córtex pré-frontal, que processa a nossa tomada de decisão, mas nunca isento de emoções, como Facundo Manes explora muito bem em suas publicações.

Essas ações coordenadas promovem o entendimento de que todos podem e devem contribuir e que não há certezas definitivas. Temos que aprender a trabalhar em grupos pequenos e eficazes, realizando movimentos rápidos e consistentes. Temos que exercer a empatia, para que possamos olhar para o outro e ter a capacidade de estender a mão.

A gestão da mudança ágil exige um ambiente seguro, no qual erramos, escutamos o outro, sem preconceito, e podemos expor nossas percepções sem medo. Diante da dificuldade de olhar para o futuro e enxergar algo tangível, precisaremos uns dos outros.

Precisamos olhar para o lado e enxergar quem está perto, pois, neste mundo caótico, a única certeza que temos é que mudaremos. E, para isso, precisaremos nos unir com pessoas e promover a confiança, transparência e tolerância.

Enfrentaremos juntos, com sabedoria, união e humildade, o que está por vir. E isso nos capacitará a lidar com um mundo cada vez mais incerto, para transformá-lo em fontes de oportunidades e nos tornar cada vez mais fortes.

Bem-vindos à Gestão de Mudança Ágil e a todos os desafios que estão por vir.

Este artigo foi escrito por Fernando Arbache em parceria com:

Ana Elisa de Siqueira – Presidente do Conselho da ASAP (Aliança para Gestão de Saúde Populacional) e do Grupo DASA.

Letícia Panisset – Coordenadora de Arquitetura de Talentos do Grupo DASA

Sandra Gioffi – Diretora de Gestão da Mudança Assistencial do Grupo DASA e Diretora ABRH/CONARH