Empreendedorismo e Inovação Mercado

A Globalização 2.0 e o Brasil

O início desta década foi palco de dois fatos simbólicos dos ventos que soprarão ao longo do século. O primeiro foi a política do presidente Barack Obama para incluir os cientistas e os laboratórios públicos de P&D no esforço nacional de aumento da competitividade1. Combinado com iniciativas bipartidárias, como o America Innovates Act, esta medida acelerará a produção, transferência e comercialização de tecnologias destinadas às empresas privadas americanas.

O segundo fato foi o início das rodadas formais de negociações do Trans-Pacific Partnership (TPP). O TPP foi o primeiro e mais ambicioso mega-acordo preferencial levado à mesa. Reúne países do Pacífico, como Estados Unidos, Japão, Canadá, Austrália, México, Malásia e outros, cujo PIB agregado é da ordem de US$ 28 trilhões, ou 40% do PIB global, e que respondem por cerca de 30% do comércio mundial.

O que estes dois fatos aparentemente isolados têm em comum? Tudo, pois são manifestações do estágio muito mais avançado do desenvolvimento e da integração dos mercados mundiais em torno das cadeias globais de valor.

Países que ficarem de fora se verão em situação desfavorável no acesso a mercados e tecnologia

De fato, a mobilização, em tempos de paz, de recursos tão extraordinários como os laboratórios de vanguarda da Nasa, Departamento de Energia e do Instituto Nacional de Saúde (NIH) para elevar a competitividade das empresas é reveladora do status estratégico conferido às cadeias globais de valor como instrumento para a consolidação da liderança americana na economia mundial.

Já o TPP, e, mais recentemente, o Transatlantic Trade and Investment Partnership (TIPP), envolvendo os Estados Unidos e a União Europeia, buscam estabelecer marcos regulatórios mais abrangentes, sistêmicos e previsíveis para atender às necessidades atuais e futuras das cadeias globais de valor. Disciplinas como serviços, investimentos, competição, harmonização de padrões e regras e propriedade intelectual são, por isto, partes integrantes da agenda central dos mega-acordos.

Soluções plurilaterais como o TPP e TIPP resultam, ao menos em parte, da estagnação da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio, e da percepção, especialmente por parte dos países desenvolvidos, de que a agenda tradicional de comércio já não mais é suficiente para dar conta dos desafios das relações econômicas internacionais.

Como os mega-acordos ainda estão em discussão, é difícil a esta altura prever todos os seus resultados e implicações. Mas dentre as suas consequências mais previsíveis estão a fragmentação da estrutura regulatória e o paulatino abandono dos princípios multilaterais que regulam as relações econômicas. Por isto, parece-nos razoável arriscar que países em desenvolvimento que ficarem de fora se verão em situação desfavorável em termos de acesso a mercados, investimentos e tecnologias. É também provável que percam poder de barganha negocial junto aos países desenvolvidos. A abrangência buscada por aqueles acordos e a influência que eventualmente terão sobre o padrão de crescimento econômico lhes dará caráter estratégico.

Em contraste com a globalização 1.0 associada às políticas de liberalização comercial e terceirização da produção para países de mão de obra barata, a globalização 2.0 está associada ao nexo entre comércio, investimentos, serviços, tecnologia e propriedade intelectual, e a um novo padrão de competição e de participação na economia global fortemente baseado no conhecimento, na coordenação e nas externalidades das redes de produção.

Se, por um lado, a participação em mega-acordos contribuirá para que países em desenvolvimento façam parte de cadeias globais de valor, por outro lado, é provável que aquela participação afete os seus graus de liberdade para fazer políticas de desenvolvimento industrial, comercial e tecnológico. Desta forma, há uma tensão entre os benefícios do engajamento e os custos de se ficar de fora.

E o Brasil? Estamos pouco integrados às cadeias globais de valor e a nossa participação está concentrada nas vendas de commodities, o que se deve à baixa competitividade industrial, modesta atenção a acordos de livre comércio e à inexistência de uma estratégia coerente e realista para os padrões de relações econômicas dos tempos de globalização 2.0.

Para não ficar alienado das decisões e das oportunidades de crescimento econômico subjacentes às cadeias globais de valor, o Brasil se encontra, a esta altura, na complicada situação de ter que, simultaneamente, aumentar o engajamento à economia mundial por meio da celebração de acordos preferenciais, e de se apressar para elevar a densidade industrial, de forma a poder almejar melhor destino junto às cadeias globais de valor. Logo, teremos que endereçar, ao mesmo tempo, agendas tão complexas como os vínculos com o Mercosul, serviços, investimentos e propriedade intelectual, bem como as agendas de custos e de conhecimento.

Os desafios são grandes. Mas contam a nosso favor, de um lado, fatores como o tamanho dos mercados interno e regional, o potencial de integração econômica regional, o estágio relativamente avançado de desenvolvimento industrial, o sistema nacional de inovação, o enorme potencial de industrialização das vantagens comparativas e competitivas e a nossa condição praticamente única na região para sediar grandes investimentos de cadeias globais de valor. De outro lado, é preciso usar as crescentes relações econômicas entre países emergentes para contrabalançar nosso poder negocial junto a países desenvolvidos sem, contudo, perder de vista que a relação Brasil-China ainda se assemelha a uma típica relação Norte-Sul.

Se e como aqueles fatores contribuirão, de fato, para melhorar a nossa inserção internacional dependerá do pragmatismo da estratégia que nos guiará, da capacidade de coordenação e implementação de políticas públicas setoriais, da coordenação entre os setores público e privado e de muito senso de urgência.

1-http://www.whitehouse.gov/the-press-office/2011/10/28/presidential-memorandum-accelerating-technology-transfer-and-commerciali

Jorge Arbache é professor de economia da UnB
. jarbache@gmail.com

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